Boletim Colectivo dos Quadros Técnicos de Lisboa

Boletim do Colectivo dos Quadros Técnicos de Lisboa

Maio 2020

Situação Política

Advocacia e o surto epidémico

No passado dia 1 de Maio, em Lisboa, centenas de trabalhadores assinalaram o dia do trabalhador de uma forma pouco habitual. Perante a ameaça do surto epidémico, e os atropelos que se têm somado contra os direitos dos trabalhadores, realizaram uma acção de luta disciplinada, cumprindo todas as normas de segurança, porque era e continua a ser imperativo defender e dar voz aos milhões de trabalhadores afectados por esta crise.

Nestes últimos meses, as camadas mais pobres têm sido particularmente fustigadas, com os trabalhadores a serem alvo de um brutal ataque aos seus salários e direitos, com a degradação acentuada das condições de trabalho, submetidos a lay-off ou, no caso daqueles com vínculos de trabalho precário, lançados para o desemprego. 

No actual contexto do desenvolvimento do surto epidémico decorrente do Vírus Covid-19, a situação política em Portugal está marcada pelo exacerbar das contradições do Capitalismo. A isto somam-se as opções de classe do governo PS, que mais uma vez opta por transferir os custos da crise para os ombros de quem trabalha e de quem está mais exposto e, em contraponto, opta  por socorrer o grande capital.

É neste contexto que foram assistidas prontamente empresas multinacionais, como a EDP e a GALP, que recentemente distribuíram centenas de milhões de euros de lucros aos accionistas, e até empresas com sedes fiscais na Holanda, como a Jerónimo Martins (Pingo Doce).

Claramente, surto epidémico tem servido de pretexto para procurar suprimir direitos e garantias e tirar voz às reivindicações dos trabalhadores. Assiste-se a sistemáticos abusos patronais, havendo até quem tentasse aproveitar a situação para um simulacro da suspensão dos direitos democráticos, com vontade de querer implementar e banalizar o estado de emergência assim como o confinamento obrigatório e a supressão de direitos.  É por isso, um acto de grande alcance e coragem dos trabalhadores a realização das acções de luta em torno do 1º e Maio, actos de denúncia e protesto contra os ataques aos seus direitos, luta que importa continuar no sentido da defesa dos direitos dos trabalhadores.

Nos últimos anos, a advocacia tem sofrido vários ataques, designadamente com contribuições cada vez mais pesadas de CPAS, que se baseiam em remunerações presumidas que têm em conta os anos de prática, independentemente dos rendimentos efectivos de cada profissional e que diferenciam bastante da comarca em que cada profissional exerce.

Assim, como trabalhadores independentes, os advogados emitem recibos verdes aos seus clientes e mesmo os advogados que exerçam a sua profissão em sociedades de advogados, geralmente também emitem recibos verdes. Contudo, como contribuem obrigatoriamente para a Caixa de Providência de Advogados e Solicitadores, caixa privada, não o fazem para a Segurança Social.

Esta Caixa privada não oferece quaisquer garantias e não protege, de forma alguma os advogados; não considera, sequer, direitos sociais que, para a maioria da população, foram adquiridos com a Revolução de Abril, tais como licença de maternidade/ paternidade ou baixa médica por virtude de doença, o que já culminou em grandes dificuldades financeiras de muitos advogados.

Ora, após o Covid’19 e sucessivas medidas governamentais, a Caixa de Providência absteve-se de qualquer apoio aos Advogados. Neste momento, existem muitos advogados sem trabalho, devido à aplicação do regime de férias judicias nos tribunais, onde apenas se encontram a seguir processos urgentes e, mesmo assim, muitas vezes devido ao número de participantes em julgamento, os mesmos acabam por ser dados sem efeito. 

A esta situação, adicionamos o facto de muita da população se abster ou adiar consultar ou recorrer a um Advogado devido às dificuldades financeiras, à incerteza, à incapacidade da Segurança Social em responder efetivamente aos pedidos de apoio judiciário, e ao estreito rigor em que é aplicado, sendo largamente insuficiente o número de cidadãos que abrange.

Assim, neste momento, os Advogados não beneficiam dos apoios aos recibos verdes que, já por si, são insuficientes, como ainda continuam a ser obrigados a pagar mensalmente a contribuição exigida. Neste sentido, enviou a CPAS uma comunicação aos seus “beneficiários”, como denomina estes trabalhadores, que, face à situação financeira da Caixa, quase de falência, não lhes é possível prestar qualquer ajuda aos “beneficiários”. Após alguma reivindicação, a CPAS concedeu a prerrogativa aos advogados de baixar o escalão contributivo, caso demonstrem a queda de 40% da faturação. Medida esta claramente insuficiente. Relembramos que muitos Advogados exercem a sua actividade em comarcas pequenas, vivendo da advocacia em pequena escala. Assim, é necessário continuar a lutar pela igualdade de direitos sociais e por uma vida digna aos Advogados.

Sobre os Bolseiros de Investigação Científica

Habitação

A investigação científica em Portugal tem sido negligenciada sucessivamente por sucessivos governos PS, PSD e CDS, colocando os investigadores em situações de precariedade frequentemente alimentadas por vínculos de apenas alguns meses, vedando-lhes o ingresso numa carreira. A ciência apoia-se em contratação de trabalho altamente qualificado sob a forma abusiva de bolsas de investigação, ao invés de um contracto de trabalho, causando não só instabilidade laboral, mas também instabilidade na vida pessoal e familiar dos trabalhadores.

Persiste a ausência de uma contribuição para a Segurança Social de acordo com o salário auferido, o direito a subsídio de férias e de natal, bem como de assistência e protecção na doença e desemprego. Para além dos investigadores, os recursos humanos e actividades associadas são também ignorados enquanto trabalhadores integrados nas respectivas carreiras. O Sistema Cientifico e Tecnológico Nacional tem sofrido um desinvestimento drástico com atrasos e falhas na abertura de concursos para Projectos I&D e avaliações das Unidades I&D. No que toca aos concursos de bolsas de investigação, é usual que os mesmos sofram atrasos antes e depois do contracto assinado ou que os prazos de publicação dos resultados sejam desrespeitados, por exemplo. 

No que se refere à lei DL57/2016, que previa a contratação de doutorados há mais de três anos, contínua por ser cumprida sendo que em 2019 tinham sido apenas formalizados 829 contractos, faltando 1246. Dos projectos de investigação, nenhum dos 1618 doutorados foram contratados efectivamente. Esta é uma resposta insatisfatória porque não obriga a celebração de contractos para os doutorados, bem como por deixar de fora os não doutorados e trabalhadores científicos não doutorados. Por outro lado, esta solução não corresponde a uma verdadeira estabilidade na carreia dos doutorados, persistindo instabilidade laboral, baixo salário e falta de perspectiva de carreira. 

Sobre a situação vivida actualmente, a ABIC em conjunto com a FENPROF realizaram um inquérito sobre o impacto da COVID-19 no sector da investigação. Os dados revelam que 60% consideram que as medidas de contenção tiveram impacto no seu plano de trabalho sendo que 22% das bolsas e contractos terminam até Setembro.  O PCP apresentou a proposta de alargar os prazos de contractos ou bolsa a todos os trabalhadores científicos no SCTN, tendo sido chumbada pelo PS, PSD, CDS e IL. 

É necessário reconhecer a urgência do financiamento público das instituições e eliminar a situação de precariedade, ao reconhecer o direito dos trabalhadores a integrarem uma carreira e garantir um financiamento público para o Sistema Científico e Tecnológico Nacional, assente no trabalho com direitos e dignidade.

A questão da habitação tem sido, no nosso país, um dos casos mais paradigmáticos de como as políticas de sucessivos governos PS, PSD e CDS têm, ao longo da história, agudizado as desigualdades sociais. Com o aprofundamento e expansão da habitação enquanto negócio, algo que deveria ser um direito primordial de todos os cidadãos fica à mercê das lógicas capitalistas. Assim, prioriza-se o lucro em função daquilo que deveria ser um direito inalienável, tornando as cidades um espaço exclusivo dos mais ricos.

A pandemia que atravessamos provocou grandes dificuldades aos mais diversos níveis. Mas, uma vez mais, são os trabalhadores que sentem com especial severidade as adversidades resultantes da pandemia, ficando isto bem patente nos milhares de casos de despedimento, não renovações de contracto, accionar de layoff e outros métodos utilizados pelas empresas para passar o peso de uma crise do sistema capitalista para os ombros dos trabalhadores.

A nível da habitação, numa altura em que o confinamento é obrigatório, devemos colocar várias questões: Como podem todos aqueles que não têm casa confinar-se nela? Como podem todas as pessoas forçadas a abandonar a casa onde viviam devido à subida vertiginosa das rendas, e que vivem agora em casas sobrelotadas, praticar o mesmo confinamento em segurança? Como podem os muitos milhares de trabalhadores que ficaram sem vencimento, ou que o viram consideravelmente reduzido, continuar a pagar as elevadas rendas que hoje proliferam no nosso país?

Em relação a esta última questão, foi aprovada uma lei que permite o atraso no pagamento das rendas durante o estado de emergência e um mês depois de esta acabar, para aqueles que perderam 20% do seu rendimento e ficaram com uma taxa de esforço superior a 35% em relação às despesas com habitação, ficando aquém do necessário. Um mês depois de terminar o estado de emergência, deve-se retomar o pagamento da renda, juntamente com o pagamento da dívida acumulada, a ser paga no prazo de 12 meses. Foi por isso que o PCP apresentou propostas na AR no sentido da redução no valor da renda igual ao valor da redução dos rendimentos dos trabalhadores. 

Em primeiro lugar, muitos milhares de trabalhadores estão em condições precárias, sem contracto e sem recibos. Vamos mesmo assumir que os patrões que os fazem trabalhar sob estas condições vão assinar a declaração necessária para aferir a percentagem de esforço? Muitos outros milhares arrendam casas, ou partes de casas, sem contracto. Como vão eles provar que o seu arrendamento implica uma taxa de esforço superior a 35%? Em segundo lugar, esta medida só leva a um endividamento ainda maior das famílias, uma dívida injusta para quem já era obrigado a uma taxa de esforço altíssima mesmo antes da pandemia. Em terceiro lugar, a julgar pelo comportamento a que as empresas nos habituaram, um mês após o estado de emergência muitas famílias continuarão a enfrentar uma situação de grande dificuldade. Como é suposto retomarem o pagamento da renda se a sua situação se mantém precária?

Relembramos que, enquanto isto, inúmeros alojamentos turísticos estão neste momento vazios, plenamente capazes de albergar pessoas. Por outro lado, empresas como a EDP lucram com toda esta situação com a cumplicidade do governo, tendo esta empresa aprovado a distribuição de dividendos aos accionistas no valor total de quase 700 milhões de Euros. Por tudo isto, é para nós fulcral uma política de habitação diferente, focada nas pessoas e não no lucro, em que as populações tenham o pleno direito à cidade e a habitação decente. A JCP apela ao desenvolvimento da luta da juventude por este direito inalienável, cada vez mais posto em causa e controlado pela especulação imobiliária.

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