I- SITUAÇÃO POLÍTICA NO ENSINO SUPERIOR
1- Função Social do Ensino Superior
2- Ensino Superior Português no Contexto Internacional
3- Acesso ao Ensino Superior
4- Financiamento
5- Acção Social Escolar
6- Autonomia e gestão democrática das instituições
7- Qualidade, insucesso escolar e questões pedagogias
8- Pós Graduações e Investigação Científica
9- Ensino Superior e emprego
10- Trabalhadores estudantes
11- Aspectos centrais dos Subsistemas do Ensino Superior
1- Função Social do Ensino Superior
A Educação é o espelho da própria sociedade em
que vivemos, das suas lutas, das suas injustiças, da sua incapacidade
para dar resposta aos anseios individuais e colectivos, e aos imperativos de
ordem económica, social e política que lhe dão suporte.
Numa sociedade capitalista, baseada na máxima obtenção
do lucro através da exploração do homem pelo homem, a Educação
por si só não é capaz de eliminar as contradições
de classe que lhe são inerentes nem as profundas desigualdades que daí
resultam. Tal não significa, que o investimento e desenvolvimento da
Educação e do sistema de ensino não resultem em importantes
avanços nas vertentes económicas, sociais, culturais e políticas
para os indivíduos e para os seus países.
Praticamente é um lugar comum falar do papel estrutural que o sistema
de ensino significa para o país. Aliás, sucessivos governos (PS;
PSD; PSD/CDS-PP) fizeram deste um argumento constante da sua retórica.
No entanto, a realidade encarrega-se de demonstrar o contrário.
Antes da Revolução de Abril de 1974, o analfabetismo atingia milhões
de portugueses, a escolaridade mínima obrigatória era apenas até
à antiga 4º Classe e o ensino superior um lugar a que apenas os
filhos da burguesia tinham acesso. Mais elitismo do que uma população
escolar de cerca 50.000 estudantes no ensino superior será difícil
de imaginar. Contudo, o conteúdo progressista e revolucionário
das conquistas de Abril permitiram um florescimento do ensino público,
do seu alcance e objectivos. Alargou-se a escolaridade obrigatória, introduziram-se
mecanismos de apoio social, definiu-se constitucionalmente a educação
como um direito (assim como a sua gratuitidade), introduziu-se a gestão
democrática das instituições com a participação
dos estudantes e o princípio da paridade nos órgãos das
instituições, alargou-se o acesso ao ensino superior, alargou-se
a cobertura nacional do ensino superior público.
Para a Direita e o Capital, destruir as conquistas de Abril, é também
destruir a escola pública e o seu papel insubstituível no desenvolvimento
do país. Foram sucessivas políticas interpretadas por diferentes
Governos sempre com o mesmo objectivo: estímulo ao crescimento do ensino
superior privado; sub-financiamento do ensino público, aumento da comparticipação
financeira dos estudantes e suas famílias; sistema de restrição
no acesso ao Ensino Superior através de numerus clausus; empobrecimento
da gestão democrática das escolas; aumentos sucessivos de propinas;
Uma política ao sabor dos interesses privados que orbitam em torno da
educação, contrária às aspirações
da juventude e às necessidades do país. Uma política que
esvazia por completo o papel social do ensino superior e que coloca a educação
como um serviço, prestado por entidades públicas ou privadas,
cabendo ao estado o papel meramente regulador de um negócio e meio para
formar os recursos humanos necessários aos seus lucros. Uma política
integrada nas orientações gerais do Governo PSD/CDS-PP e dos objectivos
da globalização capitalista que vê na Educação
não só um negócio, como uma forma de reproduzir valores
e formatar consciências, mas também uma forma de perpetuar o capitalismo
como sistema dominante.
Este Governo procura demagogicamente confundir os interesses do país
com os interesses do mercado e como bem sabemos, não só os mesmos
não são coincidentes como são antagónicos.
A subordinação do desenvolvimento e funcionamento do ensino superior
aos interesses económicos serve hoje de norte para profundas alterações:
aumento de propinas; encerramento de cursos (invocando falta de procura e quebras
de natalidade); alteração de estruturas curriculares; alteração
do modelo de gestão com a sua profissionalização e introdução
de elementos exteriores às instituições no Governo das
Universidades e Politécnicos.
Se tivermos em conta que em Portugal mais de 50% dos jovens entre os 18 e os
24 anos não tem acesso a este nível de ensino, e que ainda assim
dos cerca de 400.000 estudantes que hoje frequentam o E.S. 150.000 foram empurrados
para o ensino privado, mais facilmente compreendemos a demissão do estado
nesta matéria. Ao alargamento do ensino superior após o 25 de
Abril não correspondeu a sua efectiva democratização. Da
actual composição do ensino superior resulta claramente segundo
os dados do CNASES*, que existem profundas desigualdades no acesso e na frequência
do ES, por razões fundamentalmente económicas e sociais o ES Público
se coloca cada vez mais como um objectivo distante das camadas mais desfavorecidas
da população.
O pacote legislativo do actual Governo, do qual fazem parte uma Lei de Bases
de Financiamento já aprovada, uma nova Lei da Autonomia e uma nova Lei
de Bases do Sistema Educativo, são na verdadeira dimensão da expressão
uma “certidão de óbito” ao ensino público e
às suas funções sociais. Onde se exigiria política
educativa surge política neoliberal, e em lugar da salvaguarda de garantias,
direitos e liberdades fundamentais, em que o acesso universal a todos os graus
de ensino se inscreve, aparece antes a subordinação de uma função
social do Estado a interesses privados e liberalidade do Governo perante a privatização
de bens e serviços públicos.
No nosso compromisso colectivo de transformação da sociedade,
a Educação é encarada não só como uma forma
de autonomização e emancipação do indivíduo
mas também como um instrumento de combate às desigualdades sociais
e alavanca para o desenvolvimento produtivo e criativo do país.
Um Ensino Superior público, gratuito, de qualidade e para todos, sem
lugar a barreiras sociais, económicas, burocráticas, pedagógicas
e ideológicas, que hoje conhecemos e combatemos. Um ensino superior [ES]
público sem propinas. Um ES entendido como uma aposta estratégica
para o nosso país e também como um direito inalienável
a qualquer indivíduo. Escolas que sejam espaços criadores em ligação
com o Mundo, em lugar do actual sistema de mera transmissão mecanizada
de saberes e conteúdos. Escolas que desenvolvam o espírito crítico
e auto - crítico, a participação e envolvimento social,
a solidariedade e a fraternidade, em detrimento do actual sistema de normalização
apática dos estudantes, professores e integradora dos valores dominantes
do capitalismo. Escolas que alcancem a plenitude do seu papel económico,
social e cultural num amplo envolvimento de todos os agentes educativos (estudantes;
professores; funcionários; etc.).
Neste quadro, apenas a escola pública (construída pelo povo, ao
serviço do povo) está em condições de dar cumprimento
aos aspectos enunciados. A responsabilidade de assegurar a formação
de quadros científicos e técnicos, a investigação,
o desenvolvimento regional e equilibrado do território, o acesso aos
mais elevados graus de ensino sem prejuízo da origem económica
e social dos estudantes, a gestão democrática e participada das
instituições, a independência face ao poder económico
e aos interesses de classe burgueses, capaz de contribuir para a soberania do
nosso país só pode ser alcançada por instituições
de ES Público depositárias destes objectivos, princípios
e prioridades.
A resolução política da X CNES, realizada aquando da tomada
de posse do actual Governo antecipava a política que veio a ser seguida.
O maior ataque de sempre ao ensino público veio pela mão deste
Governo no início do presente ano lectivo com um pacote legislativo cujo
o eixo central foi o brutal aumento de propinas (entre os 30-140%), elemento
este, que tem sido essencial na estratégia nas alterações
introduzidas pelos Governos. Em 1991, com PSD em maioria na AR surgiu a primeira
lei de propinas que haveria de ser revogada pela luta estudantil. Em 1996 surge
uma nova lei desta feita do PS com mais do mesmo no que diz respeito a propinas.
Em 2003 surge a actual Lei de Financiamento com um escandaloso agravamento,
empurrando Portugal para o clube dos países da UE onde mais se paga para
frequentar o ES.
O ensino pode ser público sem ser gratuito como aliás acontece.
Combater as propinas, defender o Ensino Público para todos - lema da
XI CNES, é dar conteúdo à principal luta que travamos e
simultaneamente garantir o cumprimento da função social do ensino
superior, do seu carácter universal, da sua qualidade obrigatória,
do seu papel transformador, no presente e no futuro. <topo>
2- Ensino Superior Português no Contexto Internacional
2.1- O ensino superior e objectivos imediatos do grande capital
Na presente estratégia neoliberal, que compreende a liberalização
e intensificação mundial do comércio, a privatização
e a desregulamentação de todos os domínios económicos
e a subordinação de todos os domínios de política
nacional ao objectivo da competitividade internacional, a educação
em geral e o ensino superior em particular assumem-se como elementos chave.
Após a 2ª Guerra Mundial, com as consequências que daí
resultaram e as necessidades emergentes, os interesses económicos haviam
concentrado a sua atenção no desenvolvimento quantitativo do ensino
mas, desde o início da década de 90, contrapõem os aspectos
qualitativos, na proporção em que o confronto da competitividade
torna mais urgente para eles uma reforma do ensino, nas vertentes de estrutura,
conteúdos, metodologias e mesmo de atitudes (nomeadamente a concorrência,
a competição, a flexibilidade, etc.).
O capital, particularmente as corporações transnacionais, tem
de modo sistemático actuado através de grupos de pressão
em que se organiza, alcançado sucesso em dirigirem a generalidade das
políticas da União Europeia e de outras instituições
internacionais, designadamente OCDE, OMC e organismos da ONU.
As primeiras abordagens sobre a Educação surgem no final dos anos
80; a educação e a formação eram então investimentos
de interesse vital para as empresas; lamentava-se que o sector empresarial tivesse
tão pouca influência sobre os cursos ensinados e que os docentes
ignorassem o contexto económico e as necessidades da indústria.
Após o que outros relatórios foram sendo produzidos, esses já
preconizando recomendações, ou seja, os objectivos que os governos
deveriam incorporar nas suas políticas. Essas recomendações
multiplicam-se, depois, nos documentos oficiais da OCDE e da Comissão
Europeia, e encontram eco em associações patronais e governos
nacionais.
No quadro de prolongada contracção económica, o capital
necessita proceder ao reordenamento da divisão social do trabalho e das
qualificações, para o que não é decretado o fim
da massificação mas serão criadas condições
(financeiras, organizativas e pedagógicas) que conduzam à travagem
da expansão do sistema de ensino e à centrifugação
da sua função económica (as elites altamente qualificadas
versus as massas desqualificadas).
Esta política foi sendo concebida e elaborada, ao longo da década
de 1990, e foi sendo posta em prática e produzindo seus frutos.
Em Março de 2000 o Conselho Europeu aprova a “estratégia
de Lisboa” segundo a qual a União Europeia afirma a intenção
de se tornar na economia mais competitiva e mais dinâmica do mundo, capaz
de suportar um crescimento económico duradouro.
O Espaço Europeu do Ensino Superior comporta os seguintes conceitos-chave:
a capacidade de atracção mundial da formação superior
oferecida pela UE; comparabilidade entre formações homólogas
adquiridas em países distintos; um sistema de unidades de crédito
acumuláveis e transferíveis entre estabelecimentos de ensino e
países (ECTS); a mobilidade de estudantes e professores; a cooperação
na elaboração e a integração de programas de ensino;
a organização do percurso escolar em três ciclos (um de
graduação e dois de pós-graduação); a garantia
de qualidade mediante orientações comuns relativas a avaliação
do ensino, acreditação de habilitações profissionais
e certificação de habilitações académicas.
Mais do que o enunciado formal destes objectivos, estão as reais intenções
de tutelar e administrar o espaço europeu de ensino superior de acordo
com os seus propósitos.
Forçar a privatização do ensino superior; volatilizar os
modelos de ensino tornando-os transaccionáveis em qualquer parte do mundo
através das novas TIC´s capazes de retirar aos estados a sua soberania
educativa e científica; empurrar as instituições de ensino
superior para uma crescente dependência financeira face às empresas
e estudantes (reduzindo a responsabilidade financeira dos estados); privilegiar
o desenvolvimento de Universidades de excelência, destinadas às
elites intelectuais e concentradas nos países capitalistas mais desenvolvidos
em detrimento das outras escolas destinadas à parte da população
com objectivos de formação de baixo perfil e mão-de-obra
flexível e disponível; reforçar a concentração
da propriedade intelectual num vasto conjunto de domínios.
2.1.11. Num quadro de grande sintonia entre as orientações do
grande capital e a actuação do Governo Português têm
vindo a ser introduzidas profundas alterações. O pacote legislativo
apresentado pelo Governo que compreende uma nova Lei de Bases de Financiamento
(já aprovada), uma nova Lei de Bases da Educação e uma
nova Lei de Autonomia e Gestão preconizam a concretização
de muitas das linhas atrás identificadas.
2.2- A reforma no ensino superior na União Europeia e o processo de
Bolonha
Em Lisboa, em Abril de 1997, o Conselho da Europa e a UNESCO promoveram uma
convenção conjunta em que foi adoptado o texto de uma Convenção
sobre o reconhecimento de qualificações relativas ao Ensino Superior
(de acesso e de graduação) na Região Europa. No ano seguinte
(Setembro 1998) e já no âmbito da União Europeia, o Conselho
de Ministros adoptou uma Recomendação (Nº 561/98) para a
cooperação na garantia de qualidade no Ensino Superior. Entretanto,
a Declaração da Sorbonne (Maio 1998), da iniciativa da França,
Alemanha e Itália, havia já antecipado a criação
de uma Área Europeia de Ensino Superior, proposta que foi depois reformulada
e retomada na Declaração de Bolonha subscrita em Junho de 1999
pelos Ministros da Educação da União Europeia , e culminou
com a Declaração de Praga em Maio de 2001 (subscrita já
pelos países da futura União Europeia alargada) .
O processo de Bolonha, tem sido, como se verifica, um processo com diversificados
interventores e com geometria variável, mas o seu sentido prossegue com
aparente segurança. Para melhor compreensão, ele deve ser enquadrado
num processo mais vasto que abarca todas as actividades de ensino e formação
no seio da Europa e igualmente à escala mundial, pois que na realidade
tem a ver com a presente fase de desenvolvimento do sistema capitalista imperial.
A mudança de ênfase do Ensino para a Aprendizagem; da Educação
para a Formação; a “nova” aprendizagem ao longo da
vida; e a diversificação de modalidades de aprendizagem que se
pretende sejam “certificadas”, são mudanças que têm
acelerado na última década. É subtil, mas perigosamente
eficaz: a sociedade deixa de ter o dever de educar e ensinar os jovens e os
adultos; são estes que têm o dever de obter (se puderem) aprendizagem;
o termo “direito” esvanece-se.
Os conceitos “sociedade do conhecimento” e “sociedade da informação”,
surgidos em meados da década de 1990, foram igualmente operativos para
avançar “novas” políticas: “sociedade”
passa a ser o que nessas definições se sugere, pretendendo fazer
desaparecer para o fundo do palco o que se não diz mas se quer atingir,
a relação de trabalho e o seu conteúdo.
Também a generalização do velho conceito de ensino à
distância, apoiado agora na integração maciça das
TIC (tecnologias da informação e comunicação) no
processo ensino-aprendizagem, em particular na expansão avassaladora
do “eLearning” através na Internet, eis mais inovações
metodológicas (de base técnica) que facilitam, flexibilizam e
fragmentam esse proposto novo tipo de relação professor-aluno
mediada por produtos de ensino e de aprendizagem transaccionáveis à
volta do mundo.
A fragmentação do ensino e da aprendizagem em “produtos”
sujeitos a reintegração em termos normalizados; a tendencial despersonalização
do processo ensino-aprendizagem, por força de um novo contexto convivencial
viabilizado (não imposto) pelas TIC; a consequente desmaterialização
de (algum) conhecimento (contingência que não necessidade) da inacessibilidade
de suportes materiais concretos.
Coloca-se como data limite a concretização das alterações
no espaço europeu de ensino superior o ano de 2010. Até lá,
prevê-se entre outros aspectos uma nova configuração dos
ciclos de formação 3+2+3 respectivamente, licenciatura, mestrado
e doutoramento. Com esta medida (de onde é difícil compreender
até que ponto se pode aprender o mesmo em 3 e em 5 anos) reduz-se significativamente
o primeiro ciclo de formação com a ideia clara que os restantes
ciclos são para se pagar de acordo com os custos reais de frequência
e de acesso limitado às elites.
O encurtamento de ciclos serve também de mote a alterações
no plano curricular e cientifico de muitas estruturas curriculares tal e qual
as conhecemos hoje, por outro lado, a introdução de um sistema
de créditos único ECTS (European Transfer Credit System) tem o
alcance de facilitar a comparabilidade entre formações académicas
mas também e sobretudo a sua transacção enquanto serviço
a prestar por uma qualquer entidade pública ou privada.
Há semelhança de todo um processo em que nada foi discutido ou
participado por parte dos principais intervenientes, nomeadamente os estudantes,
intensifica-se a transferência da soberania de cada um dos estados para
a U.E. no que à educação diz respeito. As consequências
que daí surgem são seguramente preocupantes, em absurdo (ou não??)
no futuro poderão ser impostas soluções de administração
do espaço europeu de ensino superior implicando a perca de áreas
de formação científica deste ou daquele país (ex:
não vale a pena que a Roménia forme médicos porque há
excesso de médicos em França). Simultaneamente é posta
em causa a autonomia de cada estabelecimento e a soberania de cada povo.
2.3- As alterações no ensino superior em Portugal e a cedência
face às imposições da UE
Em Portugal, o CRUP manifestou a sua adesão à declaração
de Bolonha em Abril de 2001 e o mesmo fez o CNAVES em Fevereiro de 2002. A adesão
ao processo de Bolonha tem sido efectuada de forma cúmplice e acrítica.
Como exemplo, segundo o CNAVES [ Parecer n.º 5/2002 , Diário da
República II série, 25 Março 2002, 71:5682-3] «Os
objectivos de transparência, comparabilidade, mobilidade, empregabilidade
e competitividade dos ensinos superiores são de uma pertinência
que dispensa justificação». Esta afirmação
por si só deixa antever a forma obediente em como este processo foi acolhido.
No que diz respeito à posição dos nossos Governos, há
que afirmar que todas as orientações foram acolhidas e estimuladas
quer pelo Governo do PS, quer pelo actual.
Deveremos entender que o actual “pacote legislativo” com que o governo
português pretende “reformar” o ensino superior procura muito
claramente abrir caminho ao cumprimento das grandes linhas da reforma educativa
ditada pelo grande capital: desregulamentação, privatização,
mercantilização, transnacionalização, etc., tendo
em vista reconfigurar a força de trabalho com sua elite e seu exército
flexível de trabalhadores precários, bem como rentabilizar em
lucros privados um importantíssimo sector de actividade.
O processo de Bolonha e a sua influência é já hoje uma realidade
nas escolas. Alterações de planos de estudo, reformulações
curriculares, encurtamento do primeiro ciclo de formação numa
primeira fase de 5 para 4 e depois para 3 anos, cortes no financiamento público,
financiamento do ensino privado, alteração administrativa das
unidades de crédito dos cursos, financiamento de parte significativa
das instituições por parte das propinas de pós-graduação,
etc.
A redução dos anos de formação promove o engodo
junto dos estudantes que os leva a optarem mais depressa por uma formação
que dure, p.e., três anos ao invés de cinco. Também por
esta questão que este processo desrespeita profundamente a realidade
de determinados países. Não considera as especificidades das formações
nem tão pouco a realidade dos países “em desenvolvimento”
dentro do espaço europeu, pelo que na comparação com os
outros, Portugal ficaria numa situação desastrosa! Por outro lado,
serve a velha intenção do capital de ter mão-de-obra barata,
disponível, de baixa formação e cultura, o melhor caldo
social para o agravamento da exploração e do neo liberalismo.
A par disso, quem quiser aceder a mais elevadas formações, tem
que pagar cada vez mais, e isso só faz quem pode.
Numa matéria de tão vasta complexidade, urge um grande acompanhamento
por parte da JCP ao desenvolvimento deste processo e por outro lado a capacidade
de estabelecer a ligação entre a política nacional e as
orientações internacionais para este domínio. O imperativo
que é colocado de concretizar este processo até 2010, leva-nos
a concluir a aceleração por parte do Governo das alterações
necessárias, neste quadro, será de considerar alterações
futuras no modelo de acesso ao Ensino Superior (em que cada instituição
irá escolher os seus estudantes), na tentativa de criação
de rankings formais das instituições, no encurtamento das licenciaturas
para 3 anos, no desaparecimento do grau de Bacharelato, no encerramento de vários
cursos, etc.
Considerando que o Processo de Bolonha não é mais do que um conjunto
de medidas para o definhamento dos sistemas públicos de ES e a sua reorganização
à medida dos interesses das classes dominantes na fase actual do desenvolvimento
do capitalismo, a JCP exige a imediata saída de Portugal do Processo
de Bolonha e o fim do mesmo, como condição fundamental para a
constituição de um sistema de ES capaz de cumprir a sua função
social em Portugal e na Europa. <topo>
3- Acesso ao Ensino Superior
Actualmente existem muitos entraves ao aceso ao ES. Acresce a isto o facto de
45% dos estudantes do ensino secundário não concluírem
o 12º ano. A nota mínima de acesso, os exames nacionais e numerus
clausus, excluído milhares de estudantes do ingresso no Ensino Superior,
ou nos cursos de primeira opção.
Este Governo introduziu ainda mais limitações, através
do brutal aumento de propinas e do corte nas vagas no Ensino Superior Público,
acompanhado do encerramento de cursos.
No que respeita à frequência verificamos que um estudante do Ensino
Superior comporta uma despesa a muitas vezes acima das suas possibilidades.
Continuamos a ser dos países em que os estudantes mais pagam para estudar,
desde o transporte à alimentação, do alojamento ao material,
das propinas às taxas e emolumentos. Tudo isto é suportado pelos
estudantes ou pelas suas famílias, independentemente do seu subsistema
de ensino.
O não aproveitamento escolar está intimamente ligado com a situação
social e financeira do estudante. Não assegurando as despesas escolares
com propinas e material escolar, o estudante vê-se impossibilitado de
obter aproveitamento. Medidas como as prescrições só vêem
acentuar o fosso entre os estudantes com mais e menos condições,
porque aqui passa apenas a contabilizar o número de anos que o estudante
leva a concluir o curso e nunca as condições de frequência
ou as razões do insucesso escolar.
Actualmente é eminente o risco de o actual Governo propor alterações
ao regime de acesso ao ensino superior, não no sentido do reforço
da sua responsabilidade e da democratização do acesso, mas na
transferência de competências para as instituições,
passando essas a poder efectuar a selecção dos seus estudantes.
Esta perspectiva, poderá acentuar o carácter elitista do sistema,
bem como, agravar o fosso entre instituições e subsistemas procurando
assegurar um pequeno núcleo de instituições com os melhores
estudantes, professores, instalações em detrimento de outras destinadas
a acolher a grande massa de estudantes.
Os critérios de acesso carecem de ser revistos, mas para alargar as oportunidades
de percurso escolar por parte dos jovens em prosseguimento de estudos como também
a públicos mais diversificados. O numerus clausus (limitação
quantitativa do ingresso a nível do país em dado domínio
de conhecimento) é e será um constrangimento à escolha
de um percurso de acordo com uma vocação, com evidente repercussão
no (in)sucesso escolar. Como tal deve ser abolido. A rigidez dos critérios
de acesso e de percurso escolar, para aqueles muitos jovens cuja vocação
não está definida e que desconhecem ainda a realidade da vida
escolar no ensino superior, é um condicionamento que, quando os não
elimina do sistema ao proibir o ingresso, os elimina depois, através
do repetido insucesso.
É preciso um grande esforço de aperfeiçoamento e acompanhamento
pedagógico — como são também precisos critérios
de acesso e de percurso escolar que permitam aos novos estudantes o contacto
com a realidade do ensino de nível superior, a sua eventual reorientação
dentro do sistema, de acordo com as capacidades e os interesses demonstrados.
A eliminação dos numerus clausus é uma peça chave
desse todo que deve oferecer o acesso, a reorientação e o reajustamento
dentro do próprio sistema, e quanto possível do próprio
estabelecimento de ensino — em oposição à exclusão
de qualquer jovem que haja feito prova de capacidade de prosseguimento dos estudos
a nível superior, mas que seja excluído por força do numerus
clausus. No fundo, essa exclusão é sempre social também,
desde o momento que se põe, pois que todo o jovem com capital social,
cultural e económico suficiente encontrará acesso ao ensino superior
no domínio que escolher, independentemente da sua real vocação
e capacidade. E será uma exclusão social para o futuro também,
por vedar o acesso a um percurso profissional vocacionalmente desejado e merecido.
A JCP defende e propõe, com o objectivo mais vasto de uma Educação
Pública Gratuita e de Qualidade, o fim dos numerus clausus, da nota mínima
e dos exames nacionais, combatendo uma das causas do insucesso escolar, e viabilizando
a universalidade do ensino que se quer para todos e sem exclusões. Estas
medidas devem ser acompanhadas de fortes investimentos no que concerne às
infra-estruturas e meios adequados de estudos. Assim sendo, o acesso deve ser
garantido a todos aqueles que ao ensino superior querem aceder e que sejam definitivamente
criadas condições para que exista qualidade na formação.
<topo>
4- Financiamento
O financiamento representa sem qualquer dúvida, o pilar central no desenvolvimento
do Ensino Superior. Ao longo dos últimos anos, o financiamento tem sido
das questões mais discutidas no plano do desenvolvimento do ES.
Após vários anos de Governo do Partido Socialista, e já
durante o mandato do Governo PSD/CDS-PP, as instituições de Ensino
Superior Público têm sido alvo de sucessivos cortes no plano financeiro,
o que tem sido um importante entrave ao desenvolvimento do Ensino Superior Português.
Estando contemplado na anterior Lei do Financiamento do ES, um orçamento
padrão que seria uma referência para o financiamento das instituições,
nunca este mesmo orçamento-padrão foi cumprido, criando assim
às instituições acrescidas dificuldades, quer no que diz
respeito às condições materiais e humanas necessárias
para o seu bom funcionamento, quer no que toca à investigação
levada a cabo.
A progressiva desresponsabilização financeira do Estado no que
ao OE para o ES diz respeito, comprometendo por vezes o próprio funcionamento
das instituições ou noutros casos, criando graves dificuldades
na gestão quotidiana das instituições, acaba por empurrar
de forma particularmente grave as instituições para as chamadas
“formas de financiamento alternativo”. Este processo, encoberto
por uma suposta autonomia financeira constitui uma séria ameaça
à própria independência das instituições face
ao poder económico. O facto de as verbas para o funcionamento das instituições
ter sido, ao longo dos anos insuficiente, neste momento de forma ainda mais
gravosa, obriga a um desvio das verbas destinadas à investigação
com o objectivo de manter as instituições a funcionarem nas condições
mínimas.
Sendo a investigação fundamental para o próprio desenvolvimento
do país, constituindo as instituições do ES o seu principal
motor, não há outra explicação, que não o
desinteresse por parte do Governo para com esta matéria. Também
no campo da investigação o Governo pretende que as instituições
encontrem parcerias com Entidades Privadas no sentido de desenvolverem projectos
de investigação, sendo que os objectivos de investigação
das empresas correspondem apenas aos seus próprios interesses económicos.
Com a nova lei de Financiamento do ES, aprovada por este Governo, tenta-se colmatar
estas falhas com o aumento brutal das propinas ( entre 30% e 140%), sobrecarregando
ainda mais as famílias e os estudantes e acentuando ainda mais a desresponsabilização
do Estado no que ao financiamento do Ensino Superior Público diz respeito.
Todo este processo insere-se perfeitamente nas teses neo-liberais de alteração
no papel do Estado, reduzindo ao mínimo as suas responsabilidades sociais
ao mesmo tempo que reforça o seu aparelho administrativo. Pretende-se
com o manto de uma suposta responsabilização do estudante, agravar
ainda mais as condições de permanência no Ensino Superior
Público, insistindo numa lógica de utilizador-pagador, desvirtuando
ainda mais o princípio de democraticidade na frequência do ES.
De salientar ainda, que o argumento de que as propinas serviriam para aumentar
a qualidade, cai de vez por terra, aos olhos da própria opinião
pública. Obviamente, este processo não acontece apenas por necessidades
do Governo de dar resposta ao tão badalado défice, que para tudo
serve mas a ninguém serve. O aumento das propinas constitui de facto
uma opção política do Governo, que alegando supostas dificuldades
financeiras aproveita para cada vez mais, aumentar a fatia de verbas correspondente
aos estudantes e às famílias no peso do OE*. De facto, o principal
objectivo do Governo é, também no Ensino Superior como em todas
os outros serviços prestados (saúde, segurança social…)
pelo Estado que sejam os próprios utentes a pagar. Negligenciando o papel
dos impostos, que são de facto o principal garante de justiça
social, o Governo pretende assim elitizar de forma brutal o ES, transformando-o
num serviço ao alcance apenas dos mais favorecidos.
É claro que à maioria de direita não interessa referir
que a fraude e evasão fiscal sejam o principal obstáculo ao princípio
de justiça social e que as propinas apenas constituem um argumento demagógico
que única e exclusivamente aumenta a discrepância social existente
no país. Aquilo que nós entendemos que deve ser um direito, o
Governo entende como um serviço de luxo, apenas ao alcance das camadas
mais abastadas da população, e por isso, continua na sua cruzada
contra o Ensino Superior Público, Gratuito, de Qualidade e para todos,
numa lógica de profunda elitização do Ensino.
Importa salientar que o valor das propinas, com a nova lei de financiamento
passa a ser definido pelas instituições, sendo que a responsabilidade
política da decisão passa de forma indecente para estas, o que
constitui não mais do que uma forma de desviar as atenções,
visto que a perspectiva já demonstrada pelo Governo vai no sentido de
chantagear (através das verbas definidas pelo Estado para as escolas)
as instituições com o intuito de as mesmas fixarem o valor máximo
das propinas
Ao mesmo tempo que o Governo pretende diminuir ainda mais a sua participação
financeira no orçamento do ES, com a nova Lei de Financiamento do ES,
o Governo introduz, pela primeira vez, a possibilidade de financiamento directo
por parte do Estado às instituições de Ensino Superior
Privado, consagrando assim o ESPriv, como um sub-sistema, com funções
sociais, negligenciando assim o facto de o ESPriv só existir devido às
insuficiências do ESP.
A JCP sempre alertou que o processo de aumento da comparticipação
dos estudantes e das famílias nos Orçamentos das Instituições,
através das propinas, seria um processo moroso e gradual, que seria acompanhado
por sucessivos cortes orçamentais, com um único objectivo. Que
a médio prazo seja o estudante a pagar na totalidade os reais custos
da sua frequência. Tudo isto se encontra inserido no processo de privatização
do Ensino Superior Público, tendo como objectivo equiparar os montantes
praticados no pagamento das propinas no Ensino Superior Público aos praticados
nas instituições privadas, para se assim atingir a plenitude da
chamada “liberdade de escolha”, que resultaria na concorrência
entre as instituições dos dois sub-sistemas. O chamado cheque
ensino, constitui mais uma medida, que terá como único objectivo
financiar directamente instituições Privadas ao abrigo da tal
“liberdade de escolha” entre as mesmas e as instituições
do ESP.
De referir ainda que, devido, a toda esta política de desinvestimento,
através, nomeadamente dos cortes no PIDDAC, muitas instituições
mantêm infra-estruturas em situações de completa degradação,
e outras, que seriam fundamentais para o bom funcionamento das instituições
e que já se encontravam planeadas, encontram-se congeladas devido aos
cortes no financiamento destinados às mesmas (de salientar principalmente
a falta de verbas relativas à construção de novas instalações,
cantinas, residências, bibliotecas). As limitações ao nível
da contratação de professores e de técnicos não
docentes são visíveis em centenas de escolas e departamentos,
esta situação aliada a uma ausência flagrante de materiais
e instrumentos de apoio ao ensino e investigação (laboratórios,
equipamento vário, computadores, livros, papel, diminuição
de horários de funcionamento de estruturas, etc ).
Por fim, mas não menos importante, a tentativa do Governo, a curto prazo
introduzir medidas como a substituição de bolsas por empréstimos,
numa tentativa clara de desresponsabilizar o Estado ainda mais da sua função
social, tornando ainda mais precária a frequência de vastas camadas
jovens no Ensino Superior, especialmente tendo em conta o número de jovens
diplomados no desemprego, situação agravada pela dívida
contraída. Estas intenções demonstram a promiscuidade entre
este governo e os grandes interesses económicos, que seriam os únicos
a beneficiar com a aplicação deste tipo de medidas.
Consequências visíveis desta política:
- Aumento brutal das propinas, entre 130-140%, afastando milhares de jovens
do ensino superior
- Aumento generalizado das tabelas de Taxas e Emolumentos;
- Aumento generalizado do número de alunos por turma e salas de aula,
como resultado directo da não renovação de contratos com
centenas de docentes;
- Aumento dos preços praticados pelos diferentes serviços de acção
social, nomeadamente em relação aos valores dos bares, cantinas
e residências;
- Diminuição dos horários de funcionamento de um conjunto
de estruturas fundamentais para o funcionamento das instituições
(ex.: bibliotecas; salas de estudo; cantinas; etc.);
- Diminuição do valor médio das Bolsas de estudo praticadas
em todo o país;
- Adiamento de um conjunto de intervenções de grande urgência
para a qualificação e recuperação de um conjunto
de edifícios e equipamentos que se encontram degradados há vários
anos;
- Manutenção de um conjunto de situações de crescente
degradação ao nível do parque escolar;
- Manutenção de uma acção social escolar manifestamente
insuficiente e desfasada das reais necessidades económicas dos estudantes.
<topo>
5- Acção Social Escolar
O Ensino Superior, no acesso e frequência, deve ser democrático
e universal, não podendo ser encarado como um privilégio de uma
elite economicamente mais favorecida. O nosso país necessita de recuperar
o enorme atraso estrutural que tem na qualificação dos seus recursos
humanos. O desenvolvimento e alargamento do Ensino Superior tem de ser acompanhado
de mecanismos que permitam a qualquer jovem, mesmo aos oriundos de famílias
de mais baixos rendimentos, aceder aos mais elevados graus de ensino. Um dos
mecanismos essenciais para garantir a democratização da frequência
do Ensino Superior é a Acção Social Escolar (ASE). Para
que tal aconteça, o sistema de ASE necessita de um reforço significativo
das verbas atribuídas pelo Governo.
As famílias portuguesas são as que, na União Europeia,
mais pagam para ter um filho a estudar no Ensino Superior. Estas despesas englobam
propinas, alojamento, transportes, alimentação, cuidados de saúde,
material escolar, taxas e emolumentos, etc.. Nos últimos meses, verificaram-se
aumentos brutais em todas estas vertentes, fazendo disparar os custos reais
de frequência do Ensino Superior. Estes tornaram-se inacessíveis
para mais alguns milhares de estudantes do Ensino Superior, e para muitas famílias
cujos filhos tinham a justa perspectiva de vir a frequentá-lo.
O modelo de ASE que vigora em Portugal, não corrige assimetrias sócio-
económicas e não promove a igualdade de oportunidades. Não
elimina as barreiras que se levantam a milhares de estudantes em todo o país,
e tem uma base distributiva assente num sistema obsoleto, desadequado face às
exigências e necessidades, cujas insuficiências orçamentais
se aprofundam sucessivamente, tornando-o em pouco mais do que um sistema caritativo
de baixas esmolas.
Os sucessivos governos de direita que partilham responsabilidades, quer no aumento
dos custos de frequência, quer no desmantelamento e descaracterização
da ASE, apresentaram sempre como moeda de troca para o aumento das propinas
o aumento das verbas para a ASE. O discurso adoptado pelo governo PSD/ CDS-PP
aquando do brutal aumento de propinas, que justificava esta medida com o aumento
da comparticipação das famílias economicamente mais favorecidas
e com a redistribuição destas verbas pelas bolsas de estudo, não
passa de uma torpe e bafienta demagogia, populista e reaccionária tal
qual este governo.
O truque é velho, gasto e politicamente cínico e mentiroso. Em
primeiro lugar, porque as propinas dizem respeito ao financiamento das instituições,
e não ao financiamento da ASE, e os conceitos de gratuitidade do ensino
e apoios directos e indirectos prestados pela ASE não são para
confundir. Em segundo lugar, porque em ocasião alguma o aumento das propinas
foi acompanhado de aumentos de bolsas que tivessem em conta a real dimensão
daqueles aumentos. Em terceiro lugar, porque a atrofia generalizada do sistema
de ASE é uma tendência da política de direita dos sucessivos
governos que a praticam, com vista ao seu desmantelamento e privatização,
no quadro mais vasto de privatização e elitização
de todo o Ensino Superior.
Este quadro aprofunda a tendência de um Ensino Superior cada vez mais
longe de estar disponível para todos e mais afastado das camadas mais
desfavorecidas da nossa sociedade. O combate à elitização
do Ensino Superior, e a defesa da universalização e democratização
do acesso e frequência de todos os graus de ensino, é uma perspectiva
pela qual os jovens comunistas lutaram e lutam. É uma marca ideológica
do nosso património reivindicativo, que encontra na ASE um instrumento
indispensável para atingir este objectivo, contrariando a desresponsabilização
dos sucessivos governos face a este preceito que ainda se mantém na Constituição.
A exigência de um outro modelo de ASE é um imperativo que, não
sendo novo, vê a sua actualidade reforçada pelas inúmeras
dificuldades que os estudantes atravessam, reflexo de um país de baixos
salários e de graves assimetrias sociais.
O panorama da ASE analisado especificamente é ainda mais assustador.
A ASE comporta apoios indirectos destinados a todos os estudantes por ela abrangidos
e apoios directos, discriminando positivamente os que mais necessitam.
5.1- Apoios Directos
Bolsas de estudo
Numa breve análise, verificamos que a abrangência do apoio social
directo (a bolsa de estudo) está muito aquém do desejável
e necessário. Em média, só 60% dos candidatos a bolsa de
estudo vêem este apoio atribuído.
Isto num país em que só se candidatam à bolsa de estudo
os estudantes que dela precisam para satisfazer as suas necessidades básicas
e vitais, por vezes em nada relacionadas com os custos de frequência do
Ensino Superior.
É ainda evidente que o valor médio das bolsas não é
adequado à satisfação das necessidades dos estudantes.
Em primeiro lugar, porque às despesas correntes acresce o valor da propina.
Em segundo lugar, porque é obviamente impossível fazer face a
despesas de alimentação, alojamento, transporte, frequência
escolar (fotocópias, livros, etc.) e propinas, com uma bolsa que, no
máximo, atingirá o ordenado mínimo nacional .
É ainda caricato que o valor da bolsa mínima multiplicada pelos
meses em que é atribuída, seja apenas igual ao valor da propina
praticada nessa instituição de ensino. Estamos perante um caso
em que as verbas contam a dobrar no Orçamento de Estado, pois é
inscrito para a ASE por um lado, e como receita das instituições
por outro (por via do pagamento de propinas), ocorrendo apenas uma simples transferência
de dinheiro. Os estudantes que recebem a bolsa mínima são cerca
de um terço dos estudantes bolseiros.
Confirmando a demagogia associada ao aumento das propinas, o novo regulamento
de bolsas é a prova cabal da ideia do governo sobre a ASE. As propinas
aumentaram pelo menos 30% (1,3 do salário mínimo nacional), as
verbas disponíveis para bolsas aumentaram apenas 13%, e os níveis
médios de capitação mensal do agregado familiar para o
cálculo das bolsas aumentaram apenas 20%.
Acresce a isto, em primeiro lugar, que a não atribuição
da bolsa em função dos critérios de sucesso escolar coloca
o estudante numa situação em que para além de perder a
bolsa, passa a suportar uma propina que pode ir até 852 € (a máxima
no ano lectivo 2003/ 2004). Em segundo lugar, os brutais aumentos verificados
em todas as outras rubricas dos encargos a suportar pelos estudantes (alimentação,
transportes, alojamento, saúde, material escolar, taxas e emolumentos),
torna para muitos a situação ainda mais insustentável.
Por outro lado, não são considerados passíveis de apoio
directo muitos estudantes que, em virtude destes aumentos, e sobretudo pelo
aumento da propina, passaram a ter necessidade de apoio social à luz
do próprio regulamento já de si injusto.
Como se isto não bastasse, continuam a verificar-se em muitas escolas
atrasos sistemáticos no pagamento das bolsas, com tudo o que isto acarreta
para um estudante bolseiro.
Contudo, foi a luta estudantil que levou a que fosse consagrada a atribuição
dos 11 meses de bolsa, facto que importa recordar e sublinhar.
Transporte
Existem instituições em que o número de estudantes deslocados
atinge os 80% (ex: Universidade da Beira Interior). Logicamente, os encargos
destes estudantes com deslocações são, entre outros, bem
mais significativos. Os complementos de bolsa para apoio às deslocações
manifestam-se também insuficientes. Para agravar este facto, os encargos
com o transporte só são considerados no cálculo da bolsa
após atribuição da mesma.
Por outro lado, só é considerado deslocado o estudante cuja residência
fixa esteja a mais de 50 km do local de estudo. Ou seja, muitos estudantes (sobretudo
nas grandes áreas urbanas Lisboa , Porto), apesar de residirem relativamente
longe do local de estudo (distância-custo-tempo), tendo de suportar elevados
encargos com transportes, não são contemplados com qualquer apoio
a este nível.
Ao mesmo tempo que se detectam estas insuficiências, verificam-se subidas
sucessivas dos preços dos transportes urbanos, suburbanos e de longa
distância, muitas vezes acompanhadas de diminuição da qualidade
dos serviços, alterações e inadequações de
horários, dificultando a vida a todos os estudantes, e constituindo mais
um encargo.
5.2- Apoios indirectos
Alojamento/ estudante deslocado
Considerando o universo dos estudantes deslocados, constatamos que apenas cerca
de 10% estão alojados em residências de estudantes. A situação
de alguns estudantes que não têm acesso a este poio torna-se insustentável,
em função das rendas elevadas que pagam mensalmente . A especulação
é por vezes brutal, sobretudo nos grandes centros urbanos (que correspondem
às maiores concentrações estudantis) onde o preço
da oferta é bastante inflacionado, sobretudo se tivermos em conta a falta
de condições que muitas vezes apresenta.
Uma das primeiras medidas do governo PSD/ CDS- PP foi aumentar brutalmente (entre
15% a mais de 100%) os preços do alojamento em residências, tornando-o
incomportável para muitos estudantes, incentivando a especulação
imobiliária em torno do alojamento para estudantes e preparando o terreno
para a voracidade dos privados, de olho em mais uma oportunidade de negócio
lucrativa, ainda que à custa dos mais carenciados.
Como resultado da política dos sucessivos governos em matéria
de alojamento para estudantes (e da demissão do papel do Estado também
nesta matéria), surge agora uma nova tendência para a criação
de residências privadas de luxo (para quem pode pagar), existindo empresas
privadas interessadas em adquirir residências públicas para aliviar
o Estado deste encargo e, obviamente, transformá-lo num negócio
chorudo ao alcance de poucos.
A JCP considera necessário e urgente que se proceda o mais rapidamente
possível à construção de mais residências,
reabilitação ou reconversão de antigos edifícios
camarários ou devolutos, dotando-as de infra estruturas e equipamentos
condignos. Assim como exigimos a recuperação das várias
residências cujas condições mínimas de habitabilidade
são muito insuficientes. Estas duas medidas são essenciais para
que cada vez mais estudantes tenham acesso a residências e para melhorar
substancialmente a qualidade de vida dos estudantes mais carenciados.
Serviços de Alimentação
O número e a capacidade das cantinas continua a ser insuficiente para
fazer face à quantidade de estudantes que diariamente utilizam estes
serviços.
Por outro lado, acentua-se a tendência da concessão das cantinas
e outros serviços de alimentação a empresas privadas, o
que tem como efeitos o aumento dos preços e, muitas vezes, uma drástica
diminuição da qualidade das refeições, dos serviços
e produtos em cantinas, bares e snacks.
Com o governo PSD/ CDS-PP, a pretexto de uma indexação ao salário
mínimo nacional, os preços das refeições aumentaram
10%, sem qualquer reflexo na qualidade das mesmas, traduzindo o entendimento
da direita sobre preço social, e contribuindo para o lucro das empresas
privadas que se vão apossando das cantinas.
5.5- Outros Apoios
O alargamento da prestação de serviços sociais para áreas
como sejam as da prestação de cuidados de saúde, de apoio
à prática desportiva, no acesso à cultura e ao lazer, estão,
na maioria dos casos, completamente afastados do horizonte dos diferentes Serviços
de Acção Social. Formalmente consagrados como responsabilidades
inerentes ao sistema público de ensino, o facto é que estamos
longe de alcançar este tipo de apoios.
5.3- Diferenças entre Ensino Universitário e Politécnico
Públicos
Também na ASE se sentem as diferenças entre o Universitário
e o Politécnico. Neste último subsistema encontram-se os estudantes
mais carenciados, mas são justamente estes os que mais limitações
sofrem no apoio que lhes é devido. A bolsa média é cerca
de metade da bolsa média no Universitário, e o número de
estudantes alojados em residências é também de cerca de
metade.
Os problemas da ASE são transversais a estes dois subsistemas. Os estudantes
devem unir-se na luta pela sua resolução, uma vez que a lógica
de confronto entre subsistemas só interessa aos governos e às
políticas de direita que visam o desmantelamento da ASE.
5.4- Ensino Superior Privado
Enquanto subsistir o numerus ckausus como restrição quantitativa
global, e subsistirem para além deste os mecanismos que impedem o acesso
dos jovens ao Ensino Superior Público, fazendo do Privado a única
opção para o prosseguimento dos estudos, a ASE deve abranger também
os estudantes do Ensino Superior Privado, numa responsabilidade partilhada com
as instituições deste subsistema.
Apesar das forças que sustentam o governo defenderem o conceito da ASE
alargada ao Privado como mais um meio de favorecimento dos que fazem da educação
um negócio, não é este o entendimento da JCP nesta matéria.
Trata-se de, nas condições actuais, de assegurar a frequência
do Ensino Superior a um conjunto muito alargado de estudantes que foram empurrados
para o Ensino Privado, e entre os quais se verificam situações
de carência muito acentuada.
O actual governo PSD/ CDS-PP resolveu extinguir o Fundo de Apoio ao Estudante
(FAE), entidade que era responsável pela atribuição de
bolsas para os estudantes do Ensino Superior Privado, demonstrando assim o seu
entendimento sobre esta necessidade.
Os estudantes deste subsistema confrontam-se com ausência quase total
de apoios sociais, nas vertentes asseguradas pela ASE (bolas, alimentação,
alojamento, etc.). As excepções são poucas, e funcionam
com muitas debilidades. Em muitos casos, o estudante é obrigado a ir
trabalhar (daí uma explicação para o elevado número
de trabalhadores estudantes a frequentar este subsistema, aliada ao fim dos
cursos nocturnos no Público), com reflexos que obviamente contribuem
para o insucesso escolar, sendo muitas vezes obrigado a abandonar o Ensino Superior.
A outra opção é deixar de estudar.
5.6- A privatização da ASE
No quadro da persecução da política de direita, sucessivos
governos, em especial o actual, ao invés de adoptarem medidas para a
melhoria da ASE, dão a mão à iniciativa privada, que vê
na educação um vasto mercado para o seu negócio. Ou seja,
assistimos a uma clara substituição daquilo que é uma responsabilidade
do Estado na garantia da democraticidade no acesso e frequência do Ensino
Superior por um negócio extremamente lucrativo.
Como exemplos desta orientação política neo-liberal, sublinhamos
a já mencionada entrega progressiva da concessão dos serviços
de alimentação aos privados, e a também citada construção
de residências privadas (como as 12 construídas por todo o país
pelo Grupo Amorim).
Por outro lado, à medida que o panorama das bolsas, da ASE em geral,
e dos encargos cada vez maiores a suportar com a frequência do Ensino
Superior se agrava, a direita propõe a possibilidade de existirem empréstimos
bonificados para os custear. Ou seja, em substituição das bolsas,
o governo propõe o endividamento dos estudantes, que entrariam assim
na vida activa com uma dívida para amortizar. Em face da capacidade de
endividamento dos estudantes mais carenciados (ou seja, nenhuma), é fácil
verificar que esta medida se destina apenas a desresponsabilizar o Estado pelos
apoios sociais directos, e que não seriam os estudantes carenciados a
pedir estes empréstimos, pelo que não restaria outra alternativa
senão o abandono do sistema, agravando-se a elitização.
Este governo, subtilmente, decreta que estes empréstimos são para
“a autonomização financeira dos estudantes”, mas prevê
que sejam atribuídos a estudantes carenciados. De qualquer modo, quem
lucra é a banca e o capital financeiro, mais uma vez à conta dos
estudantes.
A JCP defende e propõe:
- a gestão democrática dos Serviços de ASE;
- o imediato reforço orçamental da ASE;
- a atribuição de bolsas calculadas com base nos custos reais
de frequência;
- a atribuição de bolsas sem ter em conta o sucesso escolar, enquanto
não forem resolvidas as causas estruturais que provocam o insucesso escolar;
- a atribuição das bolsas sem atrasos:
- a expansão da rede de residências para estudantes deslocados
e carenciados, e a requalificação das já existentes;
- a expansão da rede de cantinas e seu nivelamento por um grau de qualidade
aceitável;
- uma aposta na melhoria e promoção dos serviços de saúde
e dos serviços educativos com a criação de locais de estudo
e de trabalho;
- a realização de um novo estudo sócio- económico
sobre os estudantes do Ensino Superior, que permita actualizar e aferir sobre
a condição e carência económica dos estudantes do
Ensino Superior, analisando também se os apoios prestados correspondem
a estas necessidades e aos seus objectivos.
- a consagração de apoios a estudantes com necessidades educativas
especiais;
- o incremento dos apoios na área desportiva e cultural, com o desenvolvimento
de estruturas de apoio à prática desportiva e a dinamização
de eventos culturais;
- que se ultrapassem as assimetrias entre os subsistemas Universitário
e Politécnico Públicos;
- que o Estado assuma e não se demita da sua responsabilidade do desenvolvimento
da ASE como função social, não permitindo a ingerência
do capital privado quando este pretende fazer lucro à custa dos estudantes;
- a responsabilização das instituições do Ensino
Superior Privado pelos apoios sociais indirectos;
- o alargamento do acesso dos estudantes do Ensino Superior Privado a cantinas
e residências públicas, enquanto subsistirem as barreiras (entre
as quais o numerus clausus como restrição quantitativa global)
de acesso ao Ensino Superior Público, numa fase de transição
para um sistema de Ensino Superior Público, Gratuito e de Qualidade,
que responda às necessidades do país. <topo>
6- Autonomia e gestão democrática das instituições
A autonomia do Ensino Superior, bem como a sua gestão democrática,
constituem aspectos essenciais para assegurar um sistema de educação
de qualidade e sem limitações de acesso de ordem social. Estando
mesmo consagrada na Constituição da República Portuguesa,
que a autonomia das instituições face ao Estado é fundamental
na defesa da liberdade e da democracia no ensino, assim como a sua gestão
democrática se reveste de extrema importância, pois assegurando
a participação activa de todos os parceiros educativos na gestão
das escolas, assegura também um sistema de ensino para o desenvolvimento,
direccionado em função dos Ensino e investigação.
Apesar disto, assiste-se hoje a uma intensa ofensiva por parte do governo da
maioria de direita a estes dois valores estruturais do ensino democrático.
O regime jurídico para o desenvolvimento e qualidade do ensino superior,
escancarou as portas ao aprofundamento duma série de aspectos negativos
seguidos pelas políticas relativas ao ensino superior, entre os quais:
- Concentra demasiados poderes na figura do ministro;
- Prevê a criação de um conselho consultivo, órgão
“almofada” para as decisões do ministério, e que entrará
em conflito de competências com o Conselho Nacional de Educação;
- Prevê a instituição de rankings de instituições;
- Não apresenta nenhum avanço na acção social escolar;
- Mantém as discriminações infundadas entre universitário
e politécnico;
- Abre caminho à mercantilização e privatização
do ensino superior, bem como à privatização da sua gestão;
- Prevê uma alteração substancial do quadro de autonomia
das instituições do Ensino Superior;
- É um instrumento que possibilitará o aumento dos encargos para
os estudantes e suas famílias.
A autonomia das instituições do Ensino Superior continua a não
poder ser verdadeiramente exercida por parte destas. A magnitude das restrições
impostas a vários níveis, fundamentalmente de ordem financeira,
impede a livre tomada de decisões por parte dos estabelecimentos, tornando-os
dependentes quer do Estado quer das empresas. Por outro lado, a autonomia do
Ensino Superior tem vindo a ser usada como argumento, pelos sucessivos governos,
para a negligência das responsabilidades do Estado em relação
a este Sistema, falando-se, por exemplo, da autonomia financeira das instituições
para justificar o constante sub-financiamento das mesmas.
Para além disto, no decorrer dos últimos anos, têm-se tomado
várias decisões de grande importância para as instituições,
como o abrir ou encerrar de cursos, sem considerar a opinião destas no
processo, passando por cima da sua autonomia formal.
O maior ataque à Autonomia das Universidades e Institutos Politécnicos
dos últimos anos vem com a nova proposta de Lei de Autonomia, nomeadamente
com a reorganização do seu modelo de gestão, que constitui
igualmente um atentado à gestão democrática das Escolas.
As novas propostas para a autonomia das instituições são
também uma peça importante para a concretização
dos objectivos de privatização e governamentalização
das instituições. A ofensiva começa por retirar os estudantes
dos órgãos de gestão, passará pela saída
dos docentes e terminará com a privatização da gestão,
como já acontece na saúde e noutros graus de ensino. Directores,
Conselhos Pedagógicos sem competências, maioria de docentes em
todos os órgãos são um atentado à gestão
democrática conquistada com a Revolução de Abril
Insiste-se em apresentar a gestão democrática das instituições
de Ensino Superior como causa fundamental dos seus problemas financeiros, com
a alegação de que os intervenientes neste sistema não estão
preparados para gerir com competência as suas escolas. Neste sentido,
corta-se no financiamento e avança-se com a criação dos
“Conselhos da Universidade ou do Instituto Politécnico” constituídos
por elementos designados directamente pelo Governo e os chamados membros da
“Sociedade Civil”, isto é, os interesses de classe dominantes.
Sob o argumento da profissionalização da gestão e da ligação
entre as instituições e a sociedade agrava-se a dependência
das instituições face ao capital, direccionando o ensino no sentido
desejado pelas empresas que dominam o sector económico relativo à
área profissional dos cursos, e prepara-se a sua posterior privatização.
Para além disto, o acabar da paridade, da representação
equitativa por parte de professores e estudantes nas instituições
que ainda dela gozavam, verificando-se que ela não se estende presentemente
a todos os subsistemas, vem impedir a organização do sistema de
ensino para o estudante (princípio curiosamente enunciado no mesmo Documento
de Orientação), artificialmente criando um antagonismo entre docentes
e discentes que não tem bases reais, e esquecendo a presença nos
órgãos de representantes do corpo de funcionários não
docentes.
A JCP defende e propõe:
• Estabelecimentos, dotados de autonomia financeira, administrativa,
pedagógica, científica, cultural e patrimonial, devem ver valorizado
e amplificado o seu espaço próprio de intervenção
naquelas áreas, submetendo-se a um conjunto de regras claras e transversais
a todos os subsistemas, passíveis de fiscalização por parte
do Estado. Inclui-se aqui a possibilidade de formação dos corpos
docentes próprios de cada instituição.
• O garantir de meios às instituições para a sua
livre tomada de decisões nestas áreas, diminuindo a sua dependência
face ao Estado e ao capital
• Um modelo de gestão democrática que abranja todos os subsistemas
de Ensino Superior, livre da influência das empresas
• A efectiva participação equitativa de todos os parceiros
educativos, docentes e discentes, nos órgãos de gestão
de todos os estabelecimentos de ensino, segundo a regra da paridade. Os estudantes
deverão ser agentes activos e promotores do funcionamento e operacionalidade
dos órgãos de gestão, impedido o seu esvaziamento e a concentração
de poderes, intervindo activamente com propostas em que sejam contempladas,
na política global do estabelecimento, as directrizes para a resolução
dos seus problemas. As competências dos órgãos de gestão
em que participam estudantes deverão ser alargadas e exercidas em toda
a sua extensão. <topo>
7- Qualidade, insucesso escolar e questões pedagogias
Ao falarmos de qualidade de ensino é importante notar, que não
se trata de um mero conceito abstracto, mas sim, de um direito objectivável,
e inerente à formação de trabalhadores qualificados. Importa,
também, lembrar que esta é reivindicação de há
muito, por parte dos estudantes.
Entendemos o Ensino Superior, como um espaço de aprofundamento de conhecimentos,
respeitando as especificidades de cada área científica, mas também
as características de cada indivíduo, bem como as suas aspirações,
quer a nível individual, quer a nível colectivo.
Entendemos, também, que este não deve ser um espaço de
mera assimilação de informação, antes, deve estimular
a reflexão crítica, a criatividade e que se distancie de qualquer
estandardização.
Assim, torna-se necessário, que as instituições possuam
todo um sem número de condições, sejam elas de ordem física
(infra-estruturas e equipamentos), logística e até financeira,
para que lhes seja possível, não só uma gestão capaz
e equilibrada, mas também para que proporcionem condições
eficazes de aprendizagem. Inerente a esta questão, está a responsabilidade
de investimento no corpo docente e não docente.
No que toca ao insucesso escolar, é de extrema pertinência, constatar
até que ponto os estudantes têm sido, consecutivamente, e exclusivamente,
responsabilizados, por tal situação, e como tal é, agora
reafirmado, e agravado com o regime de prescrições.
Constatamos a ausência de avaliação de um corpo docente,
que muito frequentemente, não se dedica em exclusivo à instituição
onde leccionam (desdobrando-se em outras instituições, consequência
de condições insuficientes que lhes são proporcionadas),
contrariando, aliás o estatuto da carreira docente, em que os horários
de atendimento não são cumpridos de acordo coma lei, sendo que
não raras vezes, são até inexistentes.
A agravar esta situação, e ao analisar, o sistema de progressão
na carreira dos professores, constatamos, que a formação pedagógica
dos mesmos, é preterida em função da investigação
científica. Levando, por vezes, a enormes dificuldades, por parte dos
docentes na transmissão de conhecimentos e limitando em muito a participação
directa dos estudantes no processo de aprendizagem.
Juntamente a esta situação, deparamo-nos com um quadro de bibliotecas
muito deficitárias (muito por conta dos sucessivos cortes orçamentais
de que as instituições têm sido alvo), assim como materiais
alternativos ausentes ou obsoletos (por exemplo, os suportes digitais), criando
assim enormes dificuldades aos estudantes em elaborarem um estudo sustentado
e pleno de estímulos.
Importa, ainda perceber, que as infra-estruturas das instituições
são tremendamente insuficientes, para o número de alunos que comportam,
sendo que o rácio de discentes/ docentes, não proporciona de todo
um ensino acompanhado e tendo em conta características, e dificuldades
inerentes a cada um dos indivíduos.
Como reflexo de todos estes factores, deparamo-nos com as chamadas cadeiras-crónicas,
em que o número de reprovações se vai avolumando, constituindo
verdadeiros obstáculos para os alunos, bem como para as instituições,
que não conseguem dar resposta a esta situação, nem procuram
estratégias alternativas, para combater este problema. O que acontece,
muitas vezes, é que estas (tais como outras), são cadeiras em
que as matérias leccionadas estão perfeitamente desenquadradas
da realidade.
Outro factor, de insucesso escolar, são a desigualdades sociais dos estudantes,
que não permitem acesso democrático a diversos materiais, por
sua vez a Acção Social, ao invés de dar resposta a situação
ainda a agrava, penalizando aqueles, que obtiveram um determinado índice
de aprovações, retirando-lhes o direito a bolsa.
A redução de investimento no Ensino Superior, tem inúmeras
consequências nefastas para as instituições, e uma delas,
é o facto de comprometer gravemente a contratação quer
de pessoal docente (levando a que muitos professores assistentes, sejam obrigados
a leccionar cadeiras distintas da sua formação académica),
quer de pessoal não docente, sejam eles auxiliares da acção
educativa, ou até mesmo técnicos especializados, imprescindíveis
no apoio de laboratórios ou oficinas (no caso de engenharias ou dos ensinos
artísticos).
Importa, também referir que se torna necessário, a avaliação
das instituições, não com o intuito de criar um “ranking”
de universidades, em que o estado se limita a premiar a, (tão em voga),
excelência, mas sim a constatar, os problemas reais intrínsecos
a cada uma delas, a fim de diminuir as suas discrepâncias, e a fomentar
a igualdade, bem como efectiva qualidade. Constatam-se no entanto muitas insuficiências
do actual modelo de avaliação, processo este que está perdido
no meio da burocracia, com escasso envolvimento e participação
dos estudantes e sem consequências positivas no melhoramento da qualidade
de ensino, aliás, pretende-se utilizar a avaliação das
instituições não para as ajudar a corrigir problemas mas
para as penalizar quer financeira quer socialmente.
Não nos podemos esquecer, também, que o quadro de insucesso escolar
no Ensino Superior, é em muito consequências, de graves problemas
estruturais que advêm de outros graus de ensino, e que se acumulam a até
este patamar, e que muitas vezes os estudantes são obrigados –
muito por meio do numerus clausus - a frequentar um curso que não está
de acordo com as suas ambições e expectativas.
O chamado “Processo de Bolonha”, tem conduzido a inúmeras
reestruturações de cursos, que muitas vezes são meras intervenções
de cosmética, por forma dar resposta às exigências da comparabilidade
internacional. A maneira desregrada em como estes processos são conduzidos
têm colocado sérias perturbações no funcionamento
das instituições e consideráveis prejuízos aos estudantes
afectados por tais alterações.
O forte abandono e insucesso escolar são uma prova cabal das inumaras
insuficiências do sistema, aliás são uma outra forma de
desresponsabilizar o estado face à elitização do ensino
superior.
<topo>
8- Pós Graduações e Investigação Científica
Nos últimos anos, a oferta de mestrados e pós graduações
aumentou significativamente. Este crescimento não reflecte uma necessidade
de incrementar a investigação científica ou uma preocupação
em abrir a oportunidade a muitos estudantes diplomados de aumentarem a sua formação.
Ele é sobretudo motivado por necessidades financeiras das instituições,
dado o estrangulamento a que estão sujeitas por parte do orçamento
de Estado, neste quadro assiste-se a um crescente peso das propinas de pós-graduação
nos orçamentos das instituições.
De facto, não só se verifica um crescente desinteresse e desinvestimento
do Estado no que à investigação diz respeito, o que contraria
em larga medida a existência de um Ministério para o Ensino Superior
e Investigação Científica, como muitos mestrados e pós
graduações não são mais do que prolongamentos da
formação inicial, mantendo as tendências de ensino demasiado
teórico, e nada voltados para a produção de conhecimento.
Por outro lado, são encarados como mais um instrumento para a privatização
e elitização do ensino superior, como o atesta a postura deste
governo e do anterior governo PS: seguindo as directrizes de Bolonha, propõe
que o mestrado faça parte de um segundo ciclo de formação
integralmente pago pelos estudantes.
A tão propalada aprendizagem ao longo da vida não é encarada
como instrumento para actualizar e acrescentar saberes e conhecimentos. É
antes vista como meio de fragmentar a formação em muitas “formações”,
sempre tendo em vista o negócio e o lucro.
De modo algum o ensino de pós graduação é encarado
como um direito para os estudantes desenvolverem os seus interesses e progredirem
em matérias mais especializadas. Se a elitização já
é visível nos graus de formação inicial, ela é
aqui muito mais acentuada.
Muitos estudantes recorrem ao ensino de pós graduação como
complemento a uma formação inicial insuficiente ou na perspectiva
de verem facilitada a sua inserção no mundo do trabalho. Estas
expectativas saem cada vez mais defraudadas, não só por um mercado
de trabalho pouco interessado em absorver quadros mais qualificados, como pelo
facto de muitas destas pós-graduações não terem
correspondência com as necessidades do país.
Enquanto as universidades andam a incrementar o ensino de pós graduação
de forma pouco estruturada e apressada (muitas vezes sem atender às condições
necessárias para ministrar um ensino de qualidade), os politécnicos
continuam a ficar de fora.
O ensino e as dinâmicas impostas ao Ensino Superior desincentivam o envolvimento
dos estudantes de formação inicial ou pós graduação
na investigação científica.
Apesar de até existir um Estatuto da Carreira de Investigação
Científica, os corpos de investigação das instituições
praticamente não existem, e servem muitas vezes apenas para fazer entrar
docentes “disfarçados” de investigadores, por não
existirem vagas nos quadros docentes.
O ensino de pós graduação podia e devia ser encarado como
um grau de formação superior ao qual o acesso estivesse de acordo
com as necessidades dos diplomados e dirigido para uma tipologia de formação
que estimulasse não só o ensino de competências mas o seu
desenvolvimento através da participação na produção
científica. A JCP defende a gratuitidade das pós-graduações.
A formação ao longo da vida podia e devia estar a cargo das instituições
públicas de ensino, e fazer parte do sistema educativo, que a JCP defende
Público, Gratuito e de Qualidade.
A JCP deve aprofundar o conhecimento e a discussão sobre esta realidade,
uma vez que ela assume uma importância crescente no Ensino Superior.
<topo>
9- Ensino Superior e emprego
Quando terminam a sua formação superior, inúmeros jovens,
vêm-se numa situação de trabalho precário, muitas
vezes sem auferirem um salário de acordo com as suas habilitações,
e cada vez mais o desemprego. Esta situação é reflexo da
ausência de uma política estrutural de emprego, em que o número
de licenciados desempregados, é elevado, mas a qualificação
da população é baixa. A verdade, é que somos o país
da União Europeia com menos diplomados, e como está provado em
inúmeros estudos económicos e sociais, que o investimento na educação,
por parte do estado, constitui sempre um real crescimento do país.
As preocupações com o emprego são hoje crescentes junto
dos estudantes e estão presentes desde o início das suas “opções”
relativamente ao E.S.. Neste quadro, é flagrante a ausência de
estratégias de integração dos profissionais na vida activa,
bem como as sucessivas situações de abertura de novas licenciaturas,
com o mero propósito de constituírem fonte de receita para as
instituições (quer por meio das propinas, quer por meio do financiamento
do estado), sem considerarem as reais necessidades do país, e o mesmo
se verifica com o encerramento de licenciaturas, pela mera análise da
“saturação” do mercado de trabalho.
A subordinação do ensino superior às necessidades voláteis
do mercado de trabalho tem justificado o encerramento de centenas de cursos,
que deixam milhares de estudantes e jovens licenciados perfeitamente à
deriva face ao facto de terem na mão um instrumento (curso) que o próprio
estado não lhe reconhece necessidade de existência.
Muitos são os estudantes que cedo percebem que provavelmente o curso
que estão a frequentar em nada terá a ver com a vida profissional
que os aguarda. No entanto ao longo do seu percurso escolar são estimulados
pelo próprio sistema a prestarem trabalho gratuito em inúmeras
empresas com a ideia de que “ganhar experiência será fundamental
para o desafio da competitividade”.
É também de notar, que a docência constitui uma saída
profissional, por excelência, sendo que os recém-licenciados se
deparam, não raras vezes com situações muito precárias,
desde da instabilidade de colocação, ao facto de não lhes
ser atribuído horário completo. Este problema atingiu no presente
ano mais de 30.000 professores desempregados na sua maioria jovens, o que constitui
um vergonhosos desperdício de recursos e um problema social de grande
dimensão.
Outro problema que afecta os jovens diplomados, são os lobbies das ordens
profissionais, que numa postura extremamente corporativista, pretendendo criar
corpos de elite entre os profissionais, já reconhecidos pelas instituições
e pelo ministério, como capazes de exercer a sua profissão, mas
sendo submetidos a nova avaliação por parte das ditas ordens.
Ordens estas que têm um papel perverso no que toca à defesa dos
direitos dos seus profissionais, bem como estimulam um interesse de classe,
ao invés de uma consciência de classe.
As Ordens e algumas associações profissionais, consideram ter
a autoridade para acreditar, e desacreditar cursos, consoante as suas reestruturações,
sendo que um estudante pode ingressar num curso acreditado, ao concluir a sua
licenciatura, esta pode já não ser reconhecida. Tudo isto acontece
com a cumplicidade do Governo face ao comportamento corporativo, procura-se
criar a divisão dentro de profissões e classes idênticas
ou semelhantes facilitando a exploração da mão-de-obra
sobretudo a dos recém formados.
A problemática dos estágios não é recente, no entanto
cada vez mais se torna impossível para o grande grosso dos estudantes
ter acesso aos mesmos. Os estágios integrados são neste momento
praticamente inexistentes, sendo que estes constituem um importante factor de
integração no mercado de trabalho, criando assim uma maior dificuldade
aos estudantes encontrarem emprego no fim do curso. O facto de a grande parte
dos estágios serem não-remunerados constitui uma vergonhosa forma
de exploração por parte das empresas e do Estado.
Existem exemplos de cursos em que o estágio é considerado parte
integrante do curso e este não é assegurado pelo estabelecimento
de ensino ou pelo Ministério da Educação ou em que o seu
acesso está condicionado pela existência de numerus clausus. Caso
mais grave é quando o estágio, não sendo considerado parte
integrante do curso, é imprescindível para o ingresso na vida
activa, ficando os recém – licenciados com o “canudo”
mas sem a possibilidade de exercer aquilo para que foram formados.
A existência de estágios não – remunerados continua
a ser uma escandalosa e gritante prática corrente (por exemplo os licenciados
em Direito estagiam durante 18 meses sem vencimento), em que Instituições
privadas e o próprio Estado exploram os recém – licenciados,
e se aproveitam de mão de obra gratuita em vez de remunerarem de forma
justa o trabalho concretizado pelos estagiários, criando os necessários
postos de trabalho.
Nas ESE´s os estudantes têm estágios integrados entre o 1º
e 4º ano e não existe qualquer tipo de apoio, quer social, quer
para materiais de leccionação ou para despesas de deslocações
para a escola onde se estagia. Durante o 4º ano, o estágio decorre
durante todo o ano lectivo e não existe qualquer tipo de remuneração,
ao contrário do que acontece com os estagiários do ensino Universitário.
9.12. Neste sentido, a JCP propõe a existência, sem restrições
de qualquer ordem, de estágios remunerados, bem como a criação
de mecanismos capazes de acompanhar a integração dos estudantes
na vida activa.
9.12. Deste modo, há a necessidade de uma política que considere,
tanto as aspirações dos jovens, com as necessidades efectivas
do país, com a devida correspondência do direito ao emprego, pleno
de direitos e condições de trabalho.
<topo>
10- Trabalhadores estudantes
A situação dos trabalhadores estudantes no Ensino Superior constitui
motivo de profunda preocupação, e que o Governo tem acentuado
através de diversos mecanismos legislativos.
É necessário analisar a situação dos trabalhadores
estudantes de duas perspectivas diferentes. Por um lado, os estudantes que necessitam
de encontrar um emprego para poderem manter os seus estudos, por outro, os trabalhadores
que decidem, depois de já inseridos no mercado de trabalho em frequentar
o Ensino Superior. O primeiro caso é cada vez mais frequente nomeadamente
devido ao aumento brutal das propinas e às insuficiências demonstradas
pela ASE. Tanto num caso como no outro os direitos dos trabalhadores estudantes
continuam por diversas vezes a ser ignorados tanto pela empresa como pela própria
escola.
Muitos estudantes são hoje efectivamente trabalhadores, mas que não
têm meio de fazer prova da sua condição. Trabalham em muitas
circunstâncias a tempo parcial, efectuando tarefas de baixa qualificação
de onde auferem uma verba que na maioria dos casos é apenas um complemento
para o pagamento dos estudos. Na maioria destes casos (esta realidade atinge
hoje dezenas de milhar de estudantes sobretudo do ensino privado) não
existe contracto de trabalho, nem regalias, nem direitos quer na empresa quer
na escola.
O estatuto do trabalhador estudante continua a ser desrespeitado sistematicamente
tanto pelas escolas como pelas empresas, sendo que o Estado nada faz no sentido
de intervir de modo a corrigir as dificuldades criadas aos estudantes devido
ao incumprimento deste mesmo estatuto.
Por acréscimo a estas dificuldades, a introdução do Pacote
Laboral cria ainda mais dificuldades a estes estudantes. O facto de perderem
o direito de serem dispensados um dia antes do exame e no dia do exame, passando
a apenas poder ser dispensados no dia do exame, e caso o patrão assim
o entenda constitui mais um factor no sentido de dificultar a progressão
académica dos estudantes. O próprio regime de prescrições
terá especial incidência nos TE´s, tendo em conta todas as
dificuldades inerentes à sua situação.
De referir ainda o facto de cada vez ser mais reduzido o número de estabelecimentos
no ensino público com horário pós laboral (ensino nocturno),
sendo que a sua extinção tem sido progressiva ao longo dos anos,
deixando caminho livre para a abertura no privado. Neste momento, com as dificuldades
financeiras que as instituições vivem, é prática
corrente sacrificar-se o Ensino Nocturno também devido ao facto de ser
mais dispendioso.
Além de tudo isto, existem uma série de factores que dificultam
a situação dos TE´s. O facto de quase todos os serviços
de apoio só funcionarem em horário diurno (secretarias, bibliotecas,
reprografias…). O facto de não existir qualquer tipo de apoio pedagógico
constitui também uma falha que deveria ser facultada aos trabalhadores-estudantes
no sentido de colmatar as dificuldades inerentes à sua situação.
<topo>
11- Aspectos centrais dos Subsistemas do Ensino Superior
11.1- Ensino Universitário Público
Ao analisar as questões inerentes a este subsistema, é essencial
perceber que é o mais antigo subsistema de ensino superior, o que lhe
confere características únicas, bem como, é necessário
constatar as diferenças entre universidades clássicas e as mais
recentes, e as consequências da heterogeneidade geográfica (litoral/interior;
norte/sul; continente/ ilhas;). Sendo que todos estes factores têm consequências
únicas, para cada uma das instituições, seja nos seus recursos,
seja nos seus objectivos (didácticos e sociais), seja na sua relação
com o meio.
É importante ter em conta as seguintes questões que assumem particular
relevância neste subsistema:
Modelo pedagógico (métodos de ensino/ aprendizagem; avaliação):
- insucesso escolar como consequência de um vasto e complexo número
de condicionantes, distantes da responsabilidade dos estudantes, e que contradizem
e comprometem um ensino pleno de efectiva qualidade;
- um ensino demasiadamente teórico (tomemos como exemplo o sistema de
avaliação não contínua - vulgo exame – que
em nada estimulam a reflexão e capacidade crítica dos estudantes),
e muitas vezes distanciados da realidade;
- insuficiências no investimento e estímulo ao ensino experimental
e de projecto;
- constatamos que o corpo docente está extremamente envelhecido, com
dificuldades de renovação, muito por conta dos cortes orçamentais
de que as instituições têm sido alvo, o que tem como consequências
grandes dificuldades de inovação, tanto científica como
pedagógica;
- É importante referir, que este é o subsistema que, na prática,
forma docentes de Ensino Superior para o resto do sistema;
Ensino pós formação inicial:
Na sociedade actual, exige-se que os profissionais recorram a formação
pós-licenciatura ao longo da sua vida (pós-graduações,
mestrados, doutoramentos). Se é certo que este tipo de formação
pode em muito beneficiar o desempenho dos profissionais, a verdade é
que a criação de pós-graduações e atribuição
de graus de ensino tem sido sobretudo estimulada e também distorcida
dos reais objectivos que lhe estariam na base, devido ao facto de constituírem
uma crescente fonte de financiamento para instituições, (na maioria
dos casos as propinas pagas asseguram por inteiro o funcionamento destes cursos).
Investigação científica:
Este subsistema é responsável pela grande maioria da investigação
científica, realizada no nosso país. O facto de se ter um Ministério
para a Ciência e o Ensino Superior em nada veio alterar o declínio
na nossa investigação e o desperdício dos recursos humanos
e técnicos instalados em muitas instituições.
Infra-estruturas e equipamentos:
Nesta matéria, sobretudo ao nível das Universidades “Clássicas”
encontramos muitas infra-estruturas insuficientes e incapazes de dar resposta,
quer ao número de alunos que comportam, quer às necessidades inerentes
a cada um dos cursos, sendo que não raras vezes, devido à antiguidade
dos edifícios, se torna urgente uma intervenção com vista
à sua requalificação.
No que toca a muitos dos equipamentos, estes encontram-se degradados e obsoletos,
com muitas dificuldades de renovação devido aos constrangimentos
orçamentais das instituições.
11.2- Ensino Politécnico
O Ensino Superior Politécnico Público (ESPol) prestou e é
um grande contributo para o desenvolvimento do Ensino Superior Público,
representando actualmente cerca de 40% da sua comunidade estudantil. Este subsistema
caracteriza-se pela sua especificidade numa formação predominantemente
técnica e prática, mais direccionada para a integração
no mercado de trabalho.
O desenvolvimento do ESPol (a partir das antigas escolas politécnicas
e industriais, ou fundadas de raiz) é responsável pela diminuição
das assimetrias regionais, contrariando a concentração do Ensino
Superior nos pólos tradicionais (Lisboa, Porto e Coimbra). Através
dos seus cursos e a sua forte interligação com o mercado de trabalho,
tem contribuído para o desenvolvimento económico e social de vários
pontos do país.
Contudo, as políticas dos sucessivos governos acentuam a concepção
do ESPol como instrumento de formação superior de menos qualidade
e mais barata, não tendo em conta as suas potencialidades.
Sofrendo a generalidade dos problemas que se colocam a todo o Ensino Superior,
o ESPol encerra problemas específicos que acentuam as consequências
negativas das políticas seguidas para este sector.
Muitos destes problemas residem na concepção política do
modelo binário para o Ensino Superior, que há muito está
ultrapassado, não correspondendo à realidade do ESPol, nem às
necessidades de desenvolvimento do ESPol e do Ensino Superior em Geral.
A inadequação deste modelo demonstra-se pelas fronteiras cada
vez mais ténues entre as atribuições e competências
específicas de cada subsistema (ESPol e Universitário Público),
pela existência de Escolas de ESPol integradas em Universidades e pela
proliferação de licenciaturas no ESPol. A ideia de um ensino de
segunda é mais flagrante quando as discriminações financeiras
são gritantes.
No capítulo da Autonomia, perspectiva-se a continuação
das limitações impostas ao ESPol na atribuição de
graus, e no direito à investigação, condição
necessária para uma real autonomia científica e pedagógica
(segundo as propostas do governo e do PS).
Persiste assim a impossibilidade do ESPol em formar o seu próprio corpo
docente, com a inexistência de pós graduações, contrariando
a necessidade de elevar a formação dos docentes deste subsistema.
As desigualdades do Estatuto da Carreira Docente do ESPol em relação
ao Estatuto da Carreira Docente Universitária também não
contribuem para a dignificação e valorização da
docência.
Associadas às questões da autonomia, estão as acentuadas
deficiências na gestão democrática das instituições
de ESPol, sobretudo no que diz respeito à participação
estudantil, muito mais precária que na generalidade do Universitário
Público.
O modelo estanque de licenciaturas bietápicas, leva à retenção
dos estudantes no 3º ano com disciplinas em atraso.
Persiste o não reconhecimento dos cursos leccionados no ESPol nas áreas
de Engenharia, Arte e Ciências Agrárias por parte das associações
e ordens profissionais.
A inexistência de uma rigorosa avaliação interna e externa
das instituições, não permite combater os interesses instalados
nas instituições, que prejudicam o funcionamento das escolas em
prol de interesses secundários.
A realidade das instituições não integradas (como muitas
da área da saúde), na sua maioria de ensino politécnico,
continua a verificar-se, bem como os problemas daí decorrentes, sobretudo
ao nível da autonomia e gestão e da Acção Social
Escolar. A JCP deve aprofundar o conhecimento e a discussão sobre esta
realidade, de modo a permitir uma acção mais direccionada e concreta,
que vá de encontro às questões colocadas pelos estudantes
destas instituições.
As desigualdades generalizadas entre o ESPol e o Universitário Público
prejudicam gravemente as instituições daquele subsistema, assim
como o ingresso, integração e participação dos estudantes.
No entender da JCP, só a existência de um sistema único
de Ensino Superior poderá resolver estas desigualdades. Um sistema único,
em que tenham lugar diferenças e especificidades de formação
e objectivos por parte de cada instituição, cabendo ao Estado
a reformulação e dignificação do sistema educativo,
responsabilizando-se de igual forma pelo desenvolvimento e apoio aos estudantes
de todo o Ensino Superior Público.
Está na hora dos estudantes do ESPol denunciarem estes problemas (que
em nada o valorizam ou contribuem para a sua qualificação), exigindo
medidas para a sua resolução. Na reivindicação dos
direitos dos estudantes, e na denúncia destas injustiças, os estudantes
comunistas têm um importante papel a desempenhar.
Esta luta só pode ter sucesso se se basear na unidade dos estudantes
de todo o Ensino Superior, desmistificando e abandonando as guerrilhas fomentadas
por alguns dirigentes associativos do ESPol contra os estudantes do ensino superior
Universitário. Estas falsas e fomentadas rivalidades só prejudicam
a luta estudantil na reivindicação dos seus direitos, servindo
os interesses que lhe são contrários (por parte da política
de direita).
11.3- Ensino Privado
O desinvestimento no Ensino Superior Público é uma das medidas
que mais concorre para o crescimento do Ensino Superior Privado.
Este desinvestimento é notado em medidas como o aumento das propinas
e aumento do custo das residências dificultam a deslocação
de estudantes para fora das suas cidades de origem e favorece a concentração
nos grandes centro urbanos em universidades privadas; o encerramento de cursos
nocturnos também faz com que os trabalhadores estudantes sejam arrastados
para este subsistema de ensino. Estes são exemplos de como o estado patrocina
o ensino privado.
Os principais prejudicados desta situação são os estudantes,
que se vêem confrontados com a necessidade de ingressar nestas instituições
onde a lógica do lucro impera e onde é bem visível a predominância
de determinadas áreas do conhecimento. Em geral, são leccionados
cursos que causam menos despesa e proporcionam maior lucro. Daqui resulta uma
falta de correspondência com a realidade do mercado de trabalho e uma
desarticulação com as necessidades do país. A qualidade
de ensino é, em muitos casos, esquecida, o que conduz a uma formação
deficitária dos estudantes. A falta de investimento nesta área
é também registada pelo número de trabalhadores em situação
precária, professores com ordenados em atraso e pagos abaixo da tabela
salarial. Em poucos casos existe um corpo docente em dedicação
exclusiva, o que contribuiria, em muito, para o aumento da qualidade de ensino.
Estas lacunas, conjuntamente com formas artificiais de retenção
dos estudantes no sistema, perpetuam o lucro. Em alguns casos a insuficiência
das infraestruturas é flagrante. Salas pequenas para o número
de alunos (ou alunos a mais para cada sala); bibliotecas cujo material não
está à altura das necessidades; cantinas diminutas onde são
praticados preços muito elevados para o bolso dos estudantes e onde a
qualidade deixa muito a desejar.
O Ensino Superior privado, que chegou a atingir, em meados de 90, cerca de 40%
do número global de alunos do ES, vê-se abraços com uma
crise sem precedentes, que não soube prever nem à qual está
a saber reagir. Esta crise resulta sobretudo da diminuição significativa
do número de alunos em escolas que, quando criadas há mais de
dez anos, foram projectadas para crescer e estabilizar em números consideráveis
e não para crescer e diminuir. É assim, praticamente inconcebível
o desenvolvimento com estabilidade de um projecto educativo privado que depende
de variações acentuadas de procura, sabendo que as únicas
fontes de receita dessas escolas, decorrem exactamente dos próprios alunos.
Aparentemente, a solução para muitas destas Instituições
passa pelas fusões de Universidades. Contudo, esta saída é
por enquanto impossível à luz da lei vigente, ou pelo menos de
difícil exequibilidade. Por outro lado, a salvaguarda dos interesses
dos estudantes nestes processos tende a ser esquecida, uma vez que é
de lucro que estamos a falar.
Actualmente, a principal fonte de receitas destas instituições
são os seus estudantes. Nestas, os estudantes vêem-se obrigados
a pagar uma pré- inscrição, antes de saberem se ficarão
a estudar nessa escola; todos os anos é paga uma inscrição,
em muitos casos de valor superior a um mês de propina. Para além
disto, são pagos grande parte dos momentos avaliativos, meses em que
não há aulas e qualquer certificado emitido pelos serviços
académicos.
Para além destas formas directas de financiamento, as instituições
privadas exercem a sua pressão no sentido do Estado as financiar, nomeadamente
através da proposta do cheque ensino, ou da abolição completa
dos limites de dedução à colecta no IRS, no que diz respeito
às despesas com a educação. Esta última medida significaria
que as famílias mais abastadas seriam privilegiadas, assim como as instituições,
pois a frequência dos estudantes economicamente mais favorecidos seria
custeada pelo Estado. A perspectiva de um crescente financiamento por parte
do estado não irá alterar as muitas dificuldades sentidas pelos
estudantes, apenas aumentarão o lucro destas instituições.
A necessidade da existência de direitos claros aos estudantes do privado
é um imperativo que urge dar cumprimento, garantindo a existência
de um contracto que não pode ser alterado e na qual estejam estipulados
os direitos dos estudantes, os deveres da instituição e as condições
de ensino incluindo os valores a praticar durante o curso. |