REQUERIMENTO Selecção social em Escolas Secundárias do Sistema Público de Ensino
07-Dez-2006
Ex.mo Senhor
Presidente da Assembleia da República,

O acesso e a frequência do Ensino Secundário por parte dos jovens portugueses, sem lugar a discriminações de qualquer origem, devem ser um direito garantido pelo Estado, particularmente quando ele é exercido no âmbito do Sistema Público de Ensino.

A discriminação em função da origem social, cultural, económica, étnica ou de qualquer outra ordem é claramente contrária aos princípios democráticos da República Portuguesa, à sua Constituição e à própria legislação regulamentar em vigor. No quadro do Ensino Secundário, na colocação em Escolas Secundárias Públicas, no progresso escolar e no acesso ao Ensino com qualidade, a necessidade de fazer respeitar esse direito é tão importante como em qualquer outra dimensão da vida de cada um.

Um Ensino Secundário democratizado é o melhor instrumento do país para a sua qualificação e é, essencialmente, um direito da população portuguesa em geral e dos estudantes em particular. Um Ensino Secundário Público sem lugar a discriminação social ou económica é um pilar da democracia portuguesa, sem o qual, é a própria democracia posta em causa.

No entanto, pela análise concreta da actual situação do Ensino Secundário do Sistema Público de Ensino, facilmente se constata que têm sido os próprios Governos a executar políticas que apontam no sentido oposto ao da democratização do Ensino e da formação integral do indivíduo (de que são claros exemplos as realizações de provas globais e de exames nacionais), estimulando apenas, e desde cedo, a formação para o trabalho assalariado, a competição e o individualismo, provocando um gradiente de elitização da Educação na medida do avanço no percurso escolar.

Por várias vezes tem o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português alertado o Governo para as clivagens sociais que se fazem sentir no Ensino Público, nomeadamente durante o Ensino Secundário e, no entanto, perante as diversas questões, o Governo, tal como os que o antecederam, tende a desvalorizar e a afirmar que não existe triagem social no Sistema Público de Ensino Português. O conhecimento das reais situações tem, contudo, reforçado a análise que este Grupo Parlamentar faz, identificando uma crescente limitação ao acesso e frequência de ensino para as camadas mais pobres da população, na ausência de mecanismos políticos e sociais de apoio que garantam a equidade social e na introdução de métodos de eliminação que provocam, na prática, o agravamento do abandono e insucesso escolares, que atingem em Portugal valores equivalentes a 2,3 da média europeia a 15, ou seja, de 40% em 2006, segundo dados do Eurostat.

São também os dados do Eurostat que denunciam a diminuição da proporção de jovens de idade compreendida entre os 20 e os 24 anos que termina o Ensino Secundário, sendo que cai de 49,6% em 2004 para 49% em 2005, o que tem de ser confrontado com a média europeia que cresce de 77,1% para 77,5% no mesmo período temporal.

A situação descrita seria o suficiente para exigir do governo respostas políticas à degradação do Ensino e à necessidade da sua democratização. No entanto, um estudo recente levado a cabo por investigadores de uma Instituição de Ensino Superior Público, o Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, denuncia um sistema de triagem objectivo que tem lugar nas escolas públicas de Ensino Secundário no país.

Analisado um conjunto de escolas, as conclusões do Estudo apontam para um mecanismo de selecção dos estudantes com base na sua origem social e económica e numa avaliação do seu trajecto escolar. Identificaram-se escolas públicas onde predominam significativamente determinadas camadas sociais. Por exemplo, escolas cuja composição estudantil é maioritariamente originária de famílias de “meios sociais favorecidos” e escolas cuja composição é maioritariamente constituída por “filhos de operários e empregados”. Este será certamente o resultado também de uma política governamental de falta de investimento nas condições materiais e humanas das escolas mais degradadas, criando escolas de segunda categoria, para onde encaminha os estudantes de origem social mais carenciada.

O estudo apresenta dados preocupantes mas que mais não vêm senão ilustrar a justeza das posições das lutas estudantis, dos jovens portugueses tantas vezes também expressas na intervenção do Grupo Parlamentar do PCP.

Segundo o estudo, numa escola de maioria estudantil proveniente de “meios sociais favorecidos”, o número de estudantes que até aos 15 anos tinha chumbado mais de uma vez seria de 7%, enquanto que numa escola de maioria de filhos de operários e empregados, essa percentagem dispara para 49%. Na primeira escola, a percentagem de estudantes que nunca tinham reprovado situa-se nos 88%, enquanto que na segunda situa-se apenas nos 33%.

Mas o estudo denuncia mais exemplos de estratificação social.

Segundo os números da investigação, a selecção dos estudantes não acontece só entre escolas, mas também entre turmas, vias de ensino e até mesmo entre horários.

Processos deste género levados a cabo no Sistema Público de Ensino são profundamente anti-democráticos e constituem uma forte afronta aos direitos dos estudantes e da população em geral. Este tipo de selecção, a juntar às políticas elitistas que têm vindo a ser levadas a cabo pelos sucessivos governos, entre os quais o actual, acentua as desigualdades sociais e dificulta a progressão escolar para uns, facilitando-a para outros.

O papel do Estado, e por essa via, também do Governo, é de garantir a democraticidade do Ensino em todos os seus graus, de garantir que não existem barreiras discriminatórias que funcionem como uma triagem social e económica.

Nestes termos, ao abrigo da alínea e) do artigo 156º da Constituição da República Portuguesa e da alínea l) do n.º 1 do artigo 5º do Regimento da Assembleia da República, requeiro ao Governo, através do Ministério da Educação, que me informe do seguinte:

•Tem o Governo conhecimento do Estudo referido?
•Tem o Governo conhecimento dos casos nele referenciados?
•De que estudos dispõe o Governo sobre a mesma matéria?
•Que mecanismos têm o Governo activados para fiscalizar os processos de admissão de estudantes em estabelecimentos públicos de Ensino Secundário?
•Que medidas tem tomado o Governo e que medidas tomará para que a colocação de estudantes nos Estabelecimentos de Ensino Secundário seja feita de acordo com a legislação em vigor, sem imposições e limitações baseadas na discriminação social e económica, ou mesmo nos trajectos escolares de cada estudante?
•De quantos casos semelhantes tem o Governo conhecimento?
•Que medidas tomará o Governo para corrigir as situações específicas que serviram de base à realização do estudo dos Investigadores do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa?

O Deputado
Miguel Tiago

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