ESCOLA DE FERREIRA DO ALENTEJO Escola de Ferreira do Alentejo De manta nas costas contra o frio
31-Out-2006
A Escola José Gomes Ferreira, em Ferreira do Alentejo, parece normal por fora, mas esconde um cenário inacreditável: salas sem janelas, casas de banho sem água e falta de material. O frio é tanto que os estudantes trazem mantas e aquecedores de casa.

«É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir.» A frase – citação do livro As Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo, de 1963 – dá as boas vindas a quem entra na Escola Básica 2 +3 e Secundária José Gomes Ferreira, em Ferreira do Alentejo, no distrito de Beja. Mas o tom poético da obra fica à porta, arredado das péssimas condições que a escola oferece aos seus alunos. Mantém-se, no entanto, no espírito combativo dos estudantes, que não baixam os braços perante tanto desprezo a que são votados.

Catarina Lopes, Inês Barradas e Marta Serra – militantes da JCP e alunas do secundário – descrevem uma escola que parece estar perfeitamente enquadrada numa paisagem do terceiro mundo. Muitas salas não têm janelas, mas os estores têm de ser corridos para cima porque não há luz suficiente. A chuva forte que tem caído na última semana entra facilmente no edifício. «Noutro dia estava a fazer teste de matemática, a chover torrencialmente e eu a levar com a água nas costas», lembra Catarina. No Inverno, os alunos levam mantas e aquecedores de casa para suportar o frio e passam as aulas enrolados. «É um cenário cómico, mas é muito desagradável», comenta Inês.

A enumeração dos problemas vai seguindo. No básico, há portas partidas e vidros rachados. Há três semanas uma janela caiu aos pés de Catarina, que passava naquele momento no pátio. As carteiras no secundário são demasiado pequenas e a maioria dos rapazes não consegue fica com as pernas de fora. As dores nas costas vão aparecendo...

A casa de banho do secundário não tem papel higiénico, mas a sua existência é já uma vitória dos alunos. Até há dois anos, tinham de se deslocar ao edifício do ensino básico sempre que precisavam de ir à casa de banho. Esta, no entanto, não tem porta nem água e os lavatórios estão partidos.

No pavilhão desportivo, os buracos no soalho são tapados com cimento. Mas, até serem remendados, há muita gente a cair. «Já houve pernas partidas», conta Marta. A chuva também entra e os alunos usam as poças de água como obstáculos nas suas corridas. Os balneários não têm água quente. Muitas vezes vão fazer as aulas de educação física no pavilhão da Câmara Municipal, mas frequentemente o portão mais directo está fechado e os alunos têm de dar uma volta de 600 metros. No total têm 25 minutos para ir buscar as coisas ao balneário, passar para o outro ginásio, tomar banho, comer e entrar na aula seguinte.

Falta de material

Os preços do bar aumentaram muito este ano lectivo. «No ano passado uma torrada custava 35 cêntimos, agora passou para 60 cêntimos», exemplifica Catarina. O bar tem apenas duas funcionárias, uma para atender os professores e outra para todos os alunos. A falta de material marca muitas aulas. Como diz Inês Barradas, no curso de Electricidade, os alunos têm de «guerrear» tomadas e fios ao Conselho Executivo e depois esperar semanas pela chegada da encomenda. «Assim, perdem a componente prática», comenta, acrescentando que o material é poupado ao máximo: «Vão tirar fio de um sistema eléctrico para usar noutro.» Há muitas desistências, com cerca de metade dos alunos a optar por cursos com melhores condições.

Estes problemas são colocados com frequência pelos estudantes ao Conselho Executivo da escola, mas recebem sempre a mesma resposta: «Não há dinheiro.» Catarina, Inês e Marta culpam o Ministério da Educação, por não distribuir as verbas necessárias à instituição. «Nós percebemos que os professores daqui não podem fazer milagres», diz Catarina.

O resultado mais imediato da falta de condições na escola é o desconforto, mas logo a seguir aparece a falta de motivação para estudar. Descontentes com a forma como são tratados, surge também nos estudantes a revolta e a convicção de que é preciso lutar. Ou, como diria João Sem Medo, a personagem de José Gomes Ferreira, quando é perseguido por árvores e pedras na floresta: «Convence-te de que, para mim, a Felicidade consiste em resistir com teimosia a todas as infelicidades.»

Jovens são ignorados pelo Governo

As três militantes da JCP consideram que os jovens são mal tratados em Portugal. «O Governo não olha para nós, não olha nem para o nosso futuro nem para o futuro do País», afirma Inês Barradas. «Se não existem condições na escola, os alunos ficam desmotivados e deixam de estudar», acrescenta Marta Serra.

«A educação e a saúde deviam ser prioritárias, porque são as coisas mais importantes. Mas está tudo ao contrário. Não me venham dizer que não há dinheiro em Portugal. É mentira! Há dinheiro, mas está mal investido. Há dinheiro para construir estádios, mas não há dinheiro para substituírem janelas ou pôr papel higiénico nas escolas», declara Catarina Lopes.

Desprezar vocações para ter emprego

A escola José Gomes Ferreira é a única instituição pública do ensino secundário do concelho de Ferreira do Alentejo, no entanto só tem uma turma de 10.º ano com 20 alunos, uma turma de 11.º ano e duas turmas do 12.º ano, cada uma com 8 alunos. No ano passado, existiam três turmas do 9.º ano, cada uma com 20 alunos. O que acontece aos estudantes?

«As pessoas fogem para as escolas profissionais e para o liceu de Beja, muito pela falta de condições e por terem perspectivas de trabalho imediato. Outros vão para um colégio privado em Beringela», explica Inês Barradas. Também ela já pensou se não faria melhor em optar pelo ensino profissional, mas decidiu seguir a sua vocação e continuar no secundário. Tem o sonho de ser médica: «Adoro tudo o que tem a ver com Medicina, várias áreas...»

Catarina Lopes também pretende seguir Medicina, mas antecipa um cenário em que as médias altas a impedem de concretizar o seu sonho. Pensa na possibilidade de ir para Espanha, mas acha «inadmissível». «E este é um dos cursos que fazem mais falta! Quem é que tem média de 18? Quem vive só para a escola. A minha vida felizmente não se resume só a estudar», salienta.

Marta Serra quer tirar Serviço Social. «Eu vou tentar seguir aquilo que gosto, mas depois se calhar não tenho emprego e vou ficar a pensar que devia ter ido por outro caminho, fora da minha vocação», diz.

Se não conseguirem ter uma profissão dentro da sua área de estudo, terão de procurar outros empregos, mas antecipam a frustração. «Muita gente já sofre com isso», afirma Catarina.

in Avante! nº1717, 26 de Outubro.2006

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