Não há muito tempo, há pouco mais de vinte anos, as coisas eram bastante simples para quem olhasse para a comunicação social dominante e para o que diziam os governantes da política de direita. Havia qualquer coisa de triunfal no discurso das classes dominantes. Cavaco ouvia dos dirigentes da CEE grandes elogios ao “exemplo” de Portugal, que era chamado por esses senhores como “a Califórnia da Europa”. Tudo era simples: na esteira da política iniciada com Mário Soares, havia que privatizar “tudo o que mexesse”, e dessas privatizações surgiria um oásis californiano: com a privatização, com o aumento da competição, do mercado, os preços iriam baixar, a economia iria florescer, e todos poderíamos contemplar a estética perfeita dos equilíbrios da oferta e da procura; Com os fundos comunitários, deixaríamos de ter agricultura para passar a ter “turismo rural” (que soa bem melhor), deixaríamos as pescas para passar a ter praias cheias de turistas de toda a Europa, que cá deixaríam as suas pesetas, francos, marcos, euros mais tarde; em vez da indústria, passaríamos a ser um país de serviços, de know-how, de economia do conhecimento.
Privatizar era então o caminho para acabar com a então chamada
“ineficiência do Estado”, pois estava claro que só as empresas privadas
podem fazer uma gestão cuidada e rigorosa do dinheiro, muito
dificilmente alguma grande empresa poderia chegar à implosão...
A liberalização da Economia era o caminho, a salvação, o dogma. Nada podia falhar.
Hoje, onde está o neo-liberalismo triunfante? Onde está a Califórnia da Europa, e o seu Aníbal Schwarzenegger?
Depois
do Banco Privado Português, do BPN, dos milhões injectados no Millenium
BCP, assistimos nos últimos meses a mais uma derrocada, mais uma
estragação de dinheiros públicos, mais um banqueiro que se afunda mas
que, pela mão do Governo PSD/CDS, é salvo pela bóia dos contribuintes.
Nesta negociata o Governo injectou 3,5 mil milhões de euros em
empréstimo, 3,9 mil milhões num “fundo de resolução” e mais 3,5 mil
milhões num fundo de emergência. Ao mesmo tempo que o Estado expõe mais
de 10 000 milhões de euros dos contribuintes, congratula-se por os
outros bancos contribuirem com 600 milhões de euros para o “resgate”.
Feitas as contas, o Estado expõe 17 vezes mais do que os outros
banqueiros, para “salvar o sistema financeiro português”, e os
principais interessados nessa “salvação” contribuem com umas migalhas e
ficam bem na fotografia.
Esta crise do BES demonstra ainda, mais
uma vez, que a conversa de que “não há dinheiro” e que é preciso fazer
cortes nas funções sociais do Estado e nos salários da administração
pública são uma mentira em toda a linha. Cada vez que o dizem, insultam a
inteligência dos portugueses, insultam o país, ofendem a nossa
dignidade. Então cortam 14 milhões no Ensino Superior porque “não há
dinheiro”, deixando ainda pior a já insustentável situação das
instituições de ensino superior, muitas delas em risco de fechar, mas
têm 3500 milhões para pôr directamente no “Novo Banco”, sem quaisquer
garantias (conhecendo nós o “velho” banco BES)?
A história do
BES é uma história antiga. O banco protegido do fascismo, um dos
alicerces do regime de Salazar. O banco que é nacionalizado por força da
luta dos trabalhadores, ficando durante vários anos ao serviço do
desenvolvimento do país. A fuga da família Espírito Santo para o
estrangeiro depois do 25 de Abril (que demonstra a “fibra patriótica”
dos grandes capitalistas). O convite de Mário Soares, ainda antes de
assumir publicamente o seu objectivo de privatizar a banca, a que a
família Espírito Santo voltasse a investir em Portugal, criando um novo
banco, uma vez que ainda não era possível privatizar as empresas
nacionalizadas, como prelúdio da posterior privatização. Depois, é o que
já conhecemos: o tal triunfalismo, o tal liberalismo (sempre com um
olho nas negociatas com os governos da política de direita), a tal
Califórnia, a ascenção e queda repentina de um gigante com pés de barro.
Se esta história do BES não servir para mais nada, pelo menos
servirá para confirmarmos aquilo que a JCP e o PCP dizem há anos: 1) que
o rumo de privatização e liberalização da Economia, ao contrário do que
foi propagandeado durante anos, não cumpriu nenhuma das suas promessas e
afundou ainda mais o país; 2) que sim, há dinheiro, ele está é mal
distribuído, que os governos de PS, PSD e CDS servem o capital e não o
país, por isso optam por tirar aos trabalhadores, ao povo, à juventude,
às funções sociais do Estado, para dar aos bancos e grandes grupos
económicos; 3) que PS, PSD e CDS são farinha do mesmo saco e que, quando
estão no Governo, aplicam a mesma política de ataque aos direitos ao
mesmo tempo que beneficiam o grande capital; 4) que Portugal precisa de
voltar a investir no sector produtivo e que não são os bancos privados
que vão fazê-lo (basta ver que investem mais em acções nos mercados
financeiros do que no financiamento às micro, pequenas e médias
empresas), e que o Estado tem de recuperar os meios para apostar no
desenvolvimento do país, nacionalizando os sectores estratégicos da
economia.
Mais um banco “salvo”, mais um passo na destruição do
país. Se não arrepiarmos caminho, nem o Espírito Santo (o verdadeiro, da
pombinha) nos salva... Lutar em defesa dos direitos conquistados, lutar
por uma política patriótica e de esquerda é a única alternativa que nos
resta... Lutemos então!
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